O coletivo Atinúké e a experiência de ser mulher negra no RS

O coletivo Atinúké e a experiência de ser mulher negra no RS

Para enfrentar o racismo, grupo Atinúké aproxima mulheres negras como espaço de escuta e troca de saberes.

Por Beatriz de Oliveira

28|04|2022

Alterado em 18|05|2022

Aquela que merece carinho desde o ventre. É este o significado de Atinúké, expressão em iorubá, que nomeia o grupo de estudos sobre o pensamento de mulheres negras criado em 2016, em Porto Alegre (RS). “Um dos elementos principais que fortalecem essa iniciativa e nos mantém ativas é a possibilidade de fortalecimento para o enfrentamento do racismo cotidiano na sociedade sulina”, afirma Fernanda Oliveira, historiadora e uma das fundadoras. 

O nome faz referência a Tatiana Renata Machado, que foi farmacêutica e militante na luta das mulheres e da população negra no Rio Grande do Sul, batizada de Atinúké ao iniciar na religião Batuque. “A escolha desse nome pretende homenagear a vida da Tati, mas também reivindicar o direito que nós, mulheres pretas, temos ao afeto e ao cuidado”, explica Dedy Ricardo, professora de teatro e integrante do coletivo. 

Nos encontros do grupo, as participantes fazem leituras de textos produzidos por mulheres negras e a partir disso, as discussões são diversas, abarcando temas como amor, religiosidade e corporeidade. Dedy explica que o que as diferencia é a escolha pela abordagem de mulheres sobre os temas. As reuniões eram feitas no Ponto de Cultura Africanamente, em Porto Alegre (RS), mas foram interrompidas com a pandemia da Covid-19. Por entenderem a importância do presencial para o grupo, não realizaram formações online. Discutem agora a possibilidade da volta dos encontros. 

O grupo se tornou também um lugar escuta entre as mulheres participantes. “Além do compartilhamento de ideias e saberes, compartilhamos experiências e nos sentimos suficientemente protegidas para expor nossas dores e nossas fragilidades. A partir dessa troca, constituímos uma força comum”, conta Dedy. 

 “A presença negra é muito marcante no estado do Rio Grande do Sul”

Há um imaginário da região sul do país representada por pessoas brancas. Apesar de minoria, a população negra em Porto Alegre é expressiva: 20.2%, segundo dados de 2017 da prefeitura da cidade. Para Fernanda Oliveira, esse imaginário invisibiliza a presença negra na região. 

A historiadora diz que nas regiões serrana e norte do estado do Rio Grande do Sul a representatividade é ainda mais baixa. Já nas regiões central e sul é possível encontrar esse reconhecimento da cultura negra. 

No artigo de 2020 “Por uma Porto Alegre para as mulheres e antirracista”, os professores Vanessa Marx e Paulo Roberto R. Soares apontam que os bairros de Porto Alegre com maior percentual de negros são também os de menor renda. Afirmam também que a cidade “apresenta em seu tecido urbano territórios tradicionais específicos, como quilombos urbanos e aldeias indígenas, os quais merecem toda a nossa atenção para seu reconhecimento, preservação e inclusão na política urbana e nas políticas públicas do município”.

Um estudo de 2021 do Departamento de Economia e Estatística (DEE), vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), mostrou a desvagem de negros em relação a brancos em itens como educação, saúde, mercado de trabalho e representação política no Rio Grande do Sul.

O desemprego, por exemplo, atingiu 13,5% da população preta e 12,8% dos pardos no primeiro trimestre de 2020. Entre os brancos, a taxa diminui para 7,2%. Olhando para o campo político, nas eleições de 2018, dos 94 eleitos, 91 eram brancos e três eram negros. 

“Ser uma mulher negra nessa região é uma experiência compartilhada com mulheres negras de outras regiões do Brasil, é lidar de muito perto com a experiência do racismo e com uma experiência constante de impedimento”

“É muito bom saber que temos irmãs Atinúkés espalhadas por toda a cidade”

Além das atividades do grupo de estudos, o Atinúké também promove ações de distribuição de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade e estimula a participação das mulheres do coletivo em eventos culturais. As integrantes pretendem ainda formalizar o grupo como uma associação sem fins lucrativos.

Em seus seis anos de história, o coletivo já marcou presença, por exemplo, no Uruguai, na apresentação dos resultados do Plan Nacional de Equidad Racial y Afrodescendia 2019-2021. Angela Davis também estava no evento e está em uma foto com o grupo. 

O companheirismo e a ajuda mútua entre as participantes do grupo é algo significativo na visão de Dedy. “Também é muito bom saber que temos irmãs Atinúkés espalhadas por toda a cidade, em todas as funções: nas escolas, nos postos de saúde, nas universidades, nos terreiros, nas manifestações, nas festas, nos bares, nas escolas de samba, nos centros culturais. É lindo poder concretizar a certeza de que não estamos sós na presença de uma irmã. Isso é muito marcante”, conclui. 


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