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O ativismo de Marilza Barbosa: ‘a crise climática é mais uma violência’ 

Marilza Barbosa se tornou ativista aos 50 anos; em Duque de Caxias (RJ) mantém um projeto de horta comunitária

Por Beatriz de Oliveira

01|12|2023

Alterado em 05|12|2023

Marilza Barbosa foi uma criança chamada de teimosa pelos adultos à sua volta, questionava sua realidade e não se conformava com as injustiças que vivia. Quando cresceu, percebeu que esse modo de ser não era um defeito, mas sua forma de estar no mundo. Hoje, aos 56 anos de idade, se define como cidadã indignada, faz parte de diferentes lutas e movimentos sociais.

A ativista vive no Morro do Sossego, localizado no bairro Pantanal, em Duque de Caxias (RJ). Lá, mantém uma horta comunitária e desenvolve quintais produtivos, utilizando conceitos da agroecologia e promovendo a troca de saberes entre as moradoras da comunidade. Além disso, é mãe e avó e integra a Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência da Baixada Fluminense e da Frente Estadual pelo Desencarceramento (RJ).

A fluminense embarcou em viagem à Dubai, nos Emirados Árabes, para participar da COP28, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Ela integra uma comissão da Anistia Internacional chamada “Rede Vozes Negras pelo Clima”, composta por mulheres negras, líderes de favelas, comunidades quilombolas, de terreiro, pesqueiras e ribeirinhas, de oito estados do Brasil. A rede tem o objetivo de pautar uma justiça climática antirracista.

Por muito tempo, enxergou a discussão sobre crise climática como algo distante de seu cotidiano. No entanto, ao participar de formações sobre o tema, passou a perceber que esse é mais um dos fatores que atingem com maior força as populações negras e pobres, e que deve ser combatido e cobrado do poder público. “Pra mim a crise climática é mais uma violência”, afirma.

A descoberta de si mesma no ativismo

Marilza é cidadã indignada desde que se entende por gente, mas a trajetória como ativista começou de fato em 2017, quando passou a integrar a Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência da Baixada Fluminense e a Frente Estadual pelo Desencarceramento.

“Eu me torno ativista na luta pelas pessoas privadas de liberdade, a partir do momento que tenho um familiar apreendido. Para buscar ajuda, eu acabei sendo apresentada para movimentos sociais do Rio de Janeiro e conheci pessoas de luta de diversos espaços”, conta.

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Marilza e suas companheiras na horta comunitária

©arquivo pessoal

Marilza passou então a frequentar passeatas, manifestações e encontros relacionados aos movimentos sociais. “Comecei também a descobrir a Marilza, porque a criança que levava tapa na boca por reclamar não estava errada. Não é errado ser assim”, diz.

“É tanta violência que eu só posso me encontrar na luta e na resistência”, resume.

Numa das atividades dentro do ativismo conheceu o assentamento Terra Prometida, localizado em Duque de Caxias, que produz alimentos agroecológicos. “Eu me vi na luta daquelas mulheres”, lembra. Esse foi o pontapé para iniciar um projeto de quintais e lajes produtivas em sua comunidade.

“Montei a minha laje produtiva, tá lá desde 2020 produzindo temperos, ervas medicinais, capim-limão, cidreira e até batata doce”, diz orgulhosa.

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Marilza mantém horta comunitária na comunidade

©arquivo pessoal

Com a ampliação do projeto, mulheres moradoras da comunidade passaram a atuar junto à Marilza na transformação de quintais produtivos. Até que conseguiram uma terreno no alto do morro para construir uma horta comunitária e um espaço de acolhimento próprio do coletivo. “Realizamos o nosso sonho, um lugar para receber pessoas, bater um papo, transformamos esse topo do morro, que era um lugar de desovas, de assassinatos”.

Aposentadoria foi sua liberdade

Durante a infância, Marilza trabalhou vendendo balas na cidade, uma obrigação dada pela mãe para obter renda em casa. Aos 15 anos, fugiu de casa para se afastar das violências que sofria ali: tinha uma mãe alcoólatra e um pai agressor. O caminho escolhido foi uma das poucas opções disponíveis para garotas da sua idade: ser trabalhadora doméstica e morar na casa dos patrões.

Durante quase quatro décadas, Marilza viveu esse ofício, transitando entre trabalhadora doméstica e diarista. Paralelamente, a cidadã indignada realizou o desejo de completar os estudos e se formou no Ensino Fundamental e Médio. E foi além: cursou Serviço Social e adquiriu seu diploma aos 48 anos de idade.

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Marilza aos 33 anos, em formatura do Ensino Fundamental

©arquivo pessoal

Ao entrar em contato com os conteúdos do curso de Serviço Social, Marilza viu parte de sua história refletida ali. “Via meus irmãos sendo levados pela Febem, a questão do genocídio nos territórios, eu cresci com muita violência e sendo muito violentada”, pontua.

Dois anos depois de se formar na faculdade, conquistou a sonhada aposentadoria. “Em agosto de 2015 foi determinada a minha liberdade, que é a minha aposentadoria de um salário mínimo”.

Neto ‘militantezinho’

Contando sua história e olhando para trás, a ativista relembra a si mesma de sua força. “Eu já passei por muita coisa, já superei muita coisa e ainda to com fôlego”, pontua.

Em sua trajetória enquanto ativista, Marilza passou a dialogar dentro de sua comunidade, a obter e compartilhar conhecimentos. “Sou muito mal vista em alguns espaços, mas por outro lado consegui uma rede boa”.

Seu legado já é visto através de seus dois filhos e de seu neto, que chama carinhosamente de “meu militantezinho”. “Eu vejo ele me representando pequena, com a diferença que ele não vai levar um tapa por isso, porque ele tem o direito de se manifestar”, conta.