Novo Tartarugas Ninja: leia a crítica de três jornalistas negras

Leia a opinião de jornalistas que passaram por uma formação em comunicação do Instituto Geledés, referência na luta antirracista no Brasil

Por Redação

01|11|2023

Alterado em 01|11|2023

No dia 31 de agosto, o filme ‘As Tartarugas Ninja: Caos Mutante’ chegou aos cinemas do Brasil. A chegada do filme causou animação e ansiedade entre os amantes do mundo geek.

A grande novidade é a personagem April O’Neill, a jornalista já conhecida nas HQs, quadrinhos e outras adaptações, mas que pela primeira vez é ilustrada com suas características reais, uma personagem negra.

Assim como April, as jornalistas e estudantes negras de jornalismo, sentiram suas dores e caminhadas sendo exibidas em cada cena de protagonismo da personagem. A luta sempre a favor da verdade, de mostrar que todos são o que são e no final do dia, a união da diversidade é o que move um grupo, uma sociedade, um país.

Por isso, publicamos a seguir a crítica de três jornalistas que passaram por uma formação em comunicação do Instituto Geledés, referência na luta antirracista no Brasil. Todas assistiram ao filme e, partir de suas vivências, fazem uma critica e contam se vale ou não a pena assistir

Das margens da sociedade para o mundo

O novo filme das Tartarugas Ninja, que traz a personagem April O’Neil representada por uma mulher negra e jornalista, é o que se pode chamar de evolução nos meios e mensagem. A trama traz personagens jovens, além de uma trilha sonora e linguagem que representam a diversidade que se espera nesta nova era tecnológica e de constante mudanças.

Reflexivo e também divertido, o filme com roteiro de Brendan O’Brien e dirigido por Jeff Rowe, traz passagens dos desafios existentes na vida dos irmãos tartarugas: Leonardo, Raphael, Michelangelo e Donatello, que, ainda sem sobrenome, não se conformam em não ter acesso ao mundo dos humanos. Juntos com a jornalista April, se aventuram para combater os Mutantes, que foram criados das “melecas”, assim como eles.

Mestre Splinter, o pai temeroso e protetor, deseja manter seus filhos tartarugas em segurança, mesmo que, para isso, tenham que ficar longe da escola, contrariando o grande desejo dos meninos. A reflexão sobre a importância da educação, escolas inclusivas e acolhedoras é o ponto alto deste filme, que mostra o quanto a insegurança e a exclusão prejudicam a formação escolar e profissional.

Há também os Mutantes “monstros” que vivem a margem da sociedade e reagem por insegurança e medo do extermínio. Os Mutantes crescem acreditando que os humanos são seus inimigos e querem exterminá-los.

Rosimeire Cruz fez parte da oficina em comunicação do Instituto Geledés

©Arquivo Pessoal

[Em uma analogia com os mutantes do filme], como não pensar em jovens negros e periféricos, que são marginalizados pela sociedade e meios de comunicação antes mesmo de entenderem seu lugar no mundo.

Rosimeire Cruz

O filme prende a atenção e entrega com maestria, do início ao fim, a representatividade tão aguardada nos tempos atuais. Palavras como “mimimi” e “maneiro” soam de maneira natural, uma linguagem original que representa os heróis reais da nossa sociedade que, mesmo desacreditados e sem acesso a oportunidades, se desdobram e fazem acontecer.

A jornalista April O’Neil, mostra que, para além da notícia, é preciso eliminar estereótipos para alcançar a verdade dos fatos. Mesmo insegura, segue acreditando e batalhando pelo o que acredita ser o seu lugar, que não é como âncora. Como a maioria de nós, mulheres e pessoas negras, não se enxergar neste lugar é o mais comum.

A falta de representatividade nos meios de comunicação e o padrão estabelecido em determinadas profissões, como é o caso do jornalismo, promove insegurança e grandes obstáculos para os profissionais negros. Para além dos desafios da profissão, encontra-se também barreiras de aceitação e pertencimento, gerando bloqueios psicológicos e falta de acesso.

Segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), no Brasil, 77,60% de jornalistas brancos ocupam 61,8% dos cargos de gerência. Em contrapartida, apenas 20,10% de jornalistas negros ocupam 60,2% de cargos operacionais. A disparidade é evidente e deixa a desigualdade social, econômica e racial evidente.

Tartarugas Ninja – Caos Mutante é um marco no audiovisual e pode se dizer também que é o futuro do cinema e da representação da diversidade. Abordando temas como o combate a Fake News e o acesso à educação, mostra a importância de olhar para os “monstros” criados pela sociedade e como oportunizar equidade para que o acesso seja possível e o extermínio do preconceito seja real e efetivo.

Um recomeço da narrativa para a geração Z

Em um mundo em constante evolução cinematográfica, poucas franquias conseguem manter sua relevância ao longo das décadas. No entanto, o filme ‘As Tartarugas Ninjas: Caos Mutante’ não apenas mantém relevância, mas revitaliza a obra de maneira notável.

O memorável quarteto traz um novo recomeço histórico aos personagens mutantes. Com a produção de Seth Rogen e a direção de Jeff Rowe e Kyler Spears, a animação se inspira em moldes que também encontramos em obras como ‘Homem-Aranha: Através do AranhaVerso’.

O filme segue a mesma premissa que já conhecemos das HQ’s e produções anteriores. Há quase 40 anos, os irmãos Donatello, Leonardo, Michelangelo e Raphael, com a mentoria do Mestre Splinter, embarcam em emocionantes jornadas repletas de comédia e batalhas épicas, enquanto utilizam suas habilidades ninja para combater o perigoso destruidor.

Mas agora, em 2023, ocultos nos túneis subterrâneos de Nova York e protegidos do mundo exterior, os quatro personagens, que passaram suas vidas imersas na arte da luta marcial, tomam a decisão de emergirem à superfície.

Os adolescentes sonham em ganhar popularidade através de feitos heróicos e se integrarem à sociedade como jovens comuns, enfrentando o desafio de serem aceitos ou não. No entanto, complicações surgem quando se encontram frente a frente com um perigoso sindicato criminoso que lidera um exército de mutantes. Por sorte, contam com o auxílio de uma nova amiga, April O’Neil.

Samara Almeida participou do processo formativo em

©Eyes Grazi

A obra entrega tudo que os fãs da franquia queriam e mereciam, após algumas produções que deixaram a desejar. Agora, seja você um fã antigo ou novo, há novidades. Uma delas é o fato de April O’Neil ser uma mulher negra. Essa, talvez, seja a maior surpresa na tela.

Samara Almeida

Além de April, os quatro protagonistas são extremamente carismáticos e bem humorados. A interação entre eles emerge como um elemento emocional central e fundamental neste filme hilariante, habilmente desenvolvendo cada piada que introduz, amarrando cada um dos seus enredos com coesão e carinho.

Retratada na história, a cidade de Nova York e seus habitantes são usados como reflexo para espelhar uma sociedade que negligencia pessoas que estão fora dos padrões imposto. E, a menos que realizem coisas incríveis, nunca serão aceitas como são.

A mensagem de aceitação conecta todas as histórias e vivências dos personagens. Os tartarugas, cansados de viverem no esgoto da cidade, só querem uma vida normal como adolescentes. E a amiga humana dos ninjas só quer ser reconhecida por suas habilidades jornalísticas e superar um trauma escolar.

Aliás, a reformulação de April como uma mulher negra talvez seja uma das mensagens subjacentes de aceitação que coincidem com o que o filme transmite, pois a mudança na cor de pele da personagem gerou incômodo em parte do público.

Sabemos que o universo cinematográfico tornou-se um catalisador para a ampla diversidade de narrativas. Gradualmente, a indústria audiovisual tem quebrando as barreiras de enredos centrados exclusivamente em personagens brancos e dando destaque a diversas etnias.

Por um longo período, personagens de origem afrodescendente foram limitados a papéis que exploravam a criminalidade. No entanto, a criação de projetos que celebram a identidade negra, desvinculando-a da narrativa da violência, abre novas janelas de identificação e representação positiva.

Samara Almeida

Essas transformações sempre nos confirmam que, com um bom roteiro, a essência do personagem prevalecerá, independente de etnia. A trama não deixa lacunas e a obra demonstra uma atenção meticulosa aos detalhes, seja na ação, na comédia cronometrada com precisão ou na trilha sonora envolvente.

O design imperfeito é o charme e a principal, demonstra uma proposta singular entre os filmes de animação que estão atualmente em cartaz e apresenta uma estética desenhada à mão, ancorada em uma base consistente e bem elaborada.

Embora as amadas tartarugas tenham levado décadas para atingir um objetivo que ecoa as suas origens, é inegável que triunfaram de forma magistral. Em 2023, falar sobre as tartarugas ninjas pode ser sinônimo de nostalgia para muitos, e realmente é. Acontece que, em Caos Mutante, ocorre uma adaptação narrativa contemporânea e ficou simples conquistar novos admiradores.

As Tartarugas Ninjas: Caos Mutante moderniza a história e abraça a diversidade. A mensagem que permeia a trama reflete não apenas a jornada das tartarugas, mas também ecoa temas sociais relevantes. Então, vale a pena! O filme entrega uma experiência cinematográfica de qualidade.

Busca por validação e aceitação

Com elementos de cultura pop, humor e design de personagens semelhantes à dos quadrinhos, o filme explora como a sociedade tem dificuldades em lidar com as diferenças – sejam elas atribuídas aos mutantes ou não – e como essa dificuldade leva à uma busca exaustiva dos personagens por aceitação. Alguns, na tentativa de se encaixarem no que é esperado, chegam a abrir mão de quem realmente são.

Dentro do enredo, conhecemos a personagem April O’Neil, representada como uma mulher preta. A obra retrata April sem os padrões caricatos atribuídos a ela em produções anteriores, elementos que descaracterizaram a personagem a ponto de esquecermos sua idade: uma adolescente que sonha em escrever uma matéria importante e, dessa forma, fugir do bulliyng.

Sabrina Almeida participou do processo formativo em comunicação do Instituto Geledés

©Eyes Grazi

Vale destacar que April não aparece como mera coadjuvante ou como um Deus ex-machina bem colocado para fechar o roteiro: ela está presente de forma humanizada, com camadas bem definidas e atitudes que levam os espectadores a torcerem por ela, que criam uma proximidade entre quem assiste e o que está sendo mostrado em tela.

E quando a personagem é colocada mais uma vez em notoriedade, se mostra vulnerável, porém, sem deixar de cumprir com o papel jornalístico que atribuiu a si: mostrar a verdade como ela é.

April não deixa de ter defeitos do mais absoluto nada, nem mesmo soluciona problemas com mágica: ela utiliza sua ferramentas de investigação e curiosidade para tal

Sabrina Almeida

Mais do que um afago à nossas lembranças de infância, ‘Tartarugas Ninja – Caos Mutante’ também abre caminhos para que as novas gerações se apeguem ao quarteto mais amado de répteis mutantes apaixonados por pizza. E, após o que foi mostrado nesse filme, certamente as novas gerações, tanto quanto as anteriores, estão ansiosas por mais.