Respeite meu parto: A assistência humanizada precisa chegar na periferia

Nos últimos anos, com o aumento crescente das cesarianas, vimos o assunto da assistência ao parto pipocar entre as mulheres e em vários veículos de comunicação. É que o Brasil tem uma média de 54% de partos cirúrgicos. Nos hospitais privados, a cifra chega a ser maior que 80%, o que faz o nosso país […]

Por Mayara Penina

08|05|2015

Alterado em 08|05|2015

Nos últimos anos, com o aumento crescente das cesarianas, vimos o assunto da assistência ao parto pipocar entre as mulheres e em vários veículos de comunicação. É que o Brasil tem uma média de 54% de partos cirúrgicos. Nos hospitais privados, a cifra chega a ser maior que 80%, o que faz o nosso país ser o triste campeão nessa modalidade.
Desde cedo somos educadas para sermos mães, cuidarmos dos filhos e da família e nosso direito ao corpo não nos é assegurado. Quando analisamos a realidade da assistência ao nascimento vemos a escassez de informações sobre o corpo feminino, o sexo e o parto. Principalmente entre as mulheres mais pobres.
A frase campeã ouvida dos médicos e enfermeiros “Na hora de fazer, você não reclamou, agora aguenta” evidencia que o problema também é uma questão de gênero. Como se a gestante tivesse que se conformar com a sua dor, não apenas como algo natural do processo de se tornar mãe, mas também, como um preço a ser pago pelo exercício de sua sexualidade.
Eu acredito que o lançamento do filme “O Renascimento do Parto” colocou muita gente que não tinha contato nenhum com o tema para pensar. O filme é simples e bastante esclarecedor. Difícil terminar de ver sem ser tocado ou ficar indignado.
A grande questão é que só vemos mulheres brancas, de classe média falando e parindo neste filme. Do mesmo modo nos blogs de ativistas da humanização e nos lindos filmes no Youtube. Isso porque parir no Brasil, com respeito, com direitos assegurados custa caro. Muito caro.
Pergunte para suas vizinhas, suas amigas, quantas delas tiverem experiências libertadoras ao parir? Quantas delas têm boas lembranças? Quantos delas falam bem dos hospitais, dos profissionais?

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Mayara e Joaquim – crédito: arquivo pessoal


Para fugir deste atendimento, existem os Centros de Parto Normal, mais conhecidos como as Casas de Parto. Mas numa cidade como São Paulo só duas estão em funcionamento e só uma delas é gerida pelo SUS – Sistema Único de Saúde, a Casa de Parto de Sapopemba.  Você já ouvir falar dela?
Este foi um dos motivos que me levaram a pesquisar sobre a assistência ao parto quando fiquei grávida: ninguém me contava histórias bonitas.
Depois descobri que essas histórias são de um modelo de assistência que não precisa ser utilizado e que trazem consequências psicológicas não somente para a família envolvida, mas para todo um modelo de sociedade.
Eu não queria viver isso! Queria um parto respeitoso. Por sorte, logo no começo da gravidez conheci a Casa Angela, localizada no Jardim Monte Azul, zona sul de São Paulo. Meu filho nasceu de parto natural em 2013.
Ser mulher, mãe e negra
Segundo dados de 2014 do Ministério da Saúde, 60% da mortalidade materna ocorre entre mulheres negras, contra 34% da mortalidade entre mães brancas. Entre as atendidas pelo SUS, 56% das gestantes negras e 55% das pardas afirmaram que realizaram menos consultas pré-natal do que as brancas.
A tese de doutorado da psicóloga Janaína Marques Aguiar, “Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero“, no departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) evidenciou, entre outras coisas, que “quanto mais jovem, mais escura e mais pobre, maior a violência no parto”. Janaína entrevistou puérperas (mulheres que pariu recentemente) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo e também concluiu que o tipo de violência mais praticada é a verbal com gritos, humilhações e ameaças de abandono, como: “Se você não parar de gritar eu paro agora o que estou fazendo”.
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crédito: Nós, mulheres da periferia


São muitos os relatos de mães negras que recebem atendimento grosseiro e negligente devido a sua cor. Os dados divulgados pela campanha “SUS Sem Racismo” também mostram que as mães negras têm menos acesso a informações sobre amamentação e menos consultas de pré-natal. Para piorar a situação, as crianças negras fazem parte do grupo com maior índice de mortalidade infantil.
Mostrar as evidências científicas para uma mulher branca, de classe média e convencê-la de que é dona do próprio corpo pode levá-la a procurar médicos humanizados ou um parto domiciliar. Mas, o que podemos fazer por nós, mulheres da periferia?
Ao longo deste mês, vamos falar sobre esse universo com notícias, depoimentos e serviços.  Acompanhe!
Mayara Penina, é jornalista e mãe do pequeno Joaquim, de dois anos. Morou a vida toda em Paraisópolis e há pouco vive no Campo Limpo.