O conto do vigário: estratégia antiga de sinhá e sinhô

Este texto faz parte do especial: trabalho doméstico (mal) remunerado: da casa grande aos apartamentos  “Você é como se fosse da família!”. Para suprir essa falta de benefícios, as sinhás atuais continuam usando uma técnica antiga. Se tem roupa que não serve mais, vira presente. O eletrodoméstico que não gostou, vira também. O sapato que apertou, “pode […]

Por Redação

08|03|2015

Alterado em 08|03|2015

Este texto faz parte do especial: trabalho doméstico (mal) remunerado: da casa grande aos apartamentos 

“Você é como se fosse da família!”. Para suprir essa falta de benefícios, as sinhás atuais continuam usando uma técnica antiga. Se tem roupa que não serve mais, vira presente. O eletrodoméstico que não gostou, vira também. O sapato que apertou, “pode pegar, se não der no seu pé, no de alguma filha ou vizinha dá.” E serve mesmo. E é comum quem ganha levar para a casa. Deixar por quê? Ruim é o sentimento ingênuo de gratidão que fica no subconsciente, que depois, em muitos casos, esfregam na cara e vira moeda de troca.

Às vezes até pode levar uns itens da dispensa. De vez em quando, até a compra do mês todinha é dada. “Eu faço a compra dela! E quando ela faz um pudim, até a deixo fazer um para a família dela também!”. Pois é, o ruim mesmo é o sentimento ingênuo de gratidão que cobram, que vira obrigação. Que inibe a busca pelos direitos, da justiça, da possibilidade de construir, em sua própria casa, o conforto que só tem na casa da patroa. São os entraves da emancipação da mulher pobre, periférica e negra do nosso país.

Image

Cena do filme “Doméstica”, do pernambucano Gabriel Mascaro.

Os anúncios ainda pedem, “empregada com folga de 15 em 15 dias”, “com disponibilidade para dormir no emprego”. E, nesse caso, seja discreta e flexível. Ah, não podemos esquecer: pode ser que seja preciso viajar a trabalho. O engraçado é que acham que essa possibilidade de viajar, conhecer restaurantes caríssimos ou ter a experiência de experimentar o avião é visto como se fosse um benefício, um favor. “Você viaja de classe econômica, tá? Leva o Arthur. Se precisar, vem na primeira classe me procurar.”

É… No Brasil está cheio de gente que enche a boca pra dizer “minha empregada!”, mesmo sem ter caráter e/ou condições de cumprir com o mínimo dos benefícios previstos em lei, benefícios que eles mesmos exigem nas empresas que trabalham, em que são chamados de “colaboradores”. Mesmo assim, enchem a boca para dizer “minha empregada”.

 Veja também: salário, direitos e vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas