O adeus à atriz e produtora cultural da periferia Dora Nascimento

Enraizada nos movimentos culturais da região do Campo Limpo e Taboão da Serra, a atriz Dora Nascimento, que já foi coordenadora da Casa de Cultura do Campo Limpo, faleceu neste sábado (22).

Por Redação

22|08|2020

Alterado em 22|08|2020

A atriz, articuladora e produtora cultural Maria das Dores Rodrigues Nascimento, mais conhecida por Dora Nascimento ou Dorinha no território do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, faleceu neste sábado (22), às 6h15, no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) em decorrência de um câncer no pâncreas.

Dorinha já vinha se tratando de um câncer desde janeiro, antes mesmo do início da pandemia, quando descobriu a doença. Mesmo assim, a atriz não se deixou abater e, aos 55 anos de idade, buscou força entre amigos e familiares, além de continuar seus trabalhos até onde pode.

Dona de um sorriso único e cativante, a alegria, carinho e amor era a sua marca registrada transmitida para as pessoas que a rodeavam.  A atriz deixará saudades não só pelos feitos artísticos e culturais, mas pelo ser humano cativante e acolhedor que sempre foi.  O velório acontece nesse domingo (23), às 9h, e enterro será às 10h, no Cemitério da Saudade, Parque Pinheiros, Taboão da Serra – SP.

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Dora Nascimento teve uma vida dedicada à cultura, passando pelo teatro e literatura

©Arquivo pessoal

Uma vida em prol da cultura

Dorinha era sócia-proprietária da produtora Belbellita e integrava a equipe que comanda a produção e realização da Feira Literária da Zona Sul (Felizs). Em sua trajetória de vida, ela atuou na produção do filme “A Sombra do Fogo”, de Jean Grimard, estreado no Canal Brasil em 2015.

Entre 2013 e 2015, ela atuou na produção  da encenação da 57ª, 58ª e 59ª “Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo”, em Taboão da Serra. Em 2014, ela se juntou ao coletivo de artistas, poetas e autores Sarau do Binho, para participar da 40ª Feria del Libro de Buenos Aires.

Ao longo da sua caminhada, a atriz também integrou as organizações sociais Pólis (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais e Poiesis), Instituto de Apoio à Cultura à Língua e à Literatura, e integrava atualmente a equipe de captação de incentivadores na Associação Músicos do Futuro.

No teatro, ela conta com participações nas companhias Teatrais Cia de Teatro TESOL, Cia de Teatro Encena e Espaço Clariô de Teatro. Além disso, a atriz fazia parte a Feira Literária da Zona Sul – FELIZS, desde sua primeira edição em 2015. Além disso, foi coordenadora entre 2017 e 2019 da Casa de Cultura do Campo Limpo.

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Dora Nascimento ao lado da equipe Felizs

©Arquivo da Felizs

“Não tinha medo do novo, do diferente”

A educadora, articuladora e produtora cultural do Sarau do Binho, Suzi Soares, revela que Dora representava muito amor, carinho e afeto para as pessoas que a conheciam e viviam ao seu lado. 

“Era alegre, divertida, apaziguadora. Eu a conheci por volta de 2006, no Bar do Binho. Ela costumava ir ao sarau e era uma das últimas a ir embora. Sempre muito elegante. Usava uns vestidos lindos, floridos, alegres”, relembra a amiga.

“Às vezes gostava de pintar os cabelos de roxo, de pink, porque não tinha medo do novo, do diferente. Gostava de colares e brincos. Quando ela soltava uma gargalhada não tinha quem não se contagiasse, sempre agradecia muito pelas coisas, pelos aprendizados, pelas oportunidades que a vida lhe dava”, diz Suzi.

Às vezes, a artista lhe mandava mandava mensagem no meio da noite só pra agradecer por alguma coisa que tinha acontecido naquele dia. “Na maioria das vezes coisas muitos simples, que no dia a dia nos esquecemos de dar valor e dar graças, mas ela não se esquecia nunca disso”. 

 Suzi conta que, em 2007, o Sarau do Binho realizou a Expedicion Donde Miras, caminhada literária em direção a Curitiba (PR). Dora estava de férias em Juquitiba, mas resolveu se juntar por uns dois dias àquele “bando de malucos sonhadores” e acabou indo com eles até o final da caminhada. 

 “Ela não tinha nem barraca, dormia em cima de um colchonete e estava feliz. Saía de manhã pelos mercados e sacolões das cidades, pedindo doações pra melhorar nossa alimentação. Fazia milagres, porque ninguém resistia aos seus apelos e simpatia. De lá pra cá, sua relação com o Sarau do Binho e com todos nós só se fortaleceu e muitas coisas construímos juntos”, diz.

Suzi relata o lado humano de Dora que sempre perguntava a ela: “fia, tem alguém precisando de alguma coisa, uma cesta básica?”. Dorinha fazia as compras pela internet e fazia chegar na casa da pessoa. 

A cada data de aniversário de Suzi, Dora preparava uma nova surpresa. “Nos meus aniversários ela sempre me fazia alguma surpresa. Até mesmo este ano, já hospitalizada, pediu ao seu irmão, Beto, que me trouxesse umas plantinhas”. 

Suzi também enfatiza sobre a dor de perder a cada ano pessoas importantes que atuam para o bem comum e coletivo nas periferias. “Foram pessoas que ajudaram a construir o movimento cultural da zona sul: Raquel Trindade, Tula Pilar, Marcos Pezão, e agora a Dora Nascimento e tantos outros. São buracos que vão ficando e que a gente não consegue preencher. Fica o vazio, a dor, a saudade”.

por Thaís Siqueira, do Desenrola e Não me Enrola