A vida embaixo de lonas e barracos das mulheres de ocupações
Líderes de ocupações Esperança e Palestina contam a experiência de liderar o movimento de moradia Mais de 11 milhões de pessoas vivem nos chamados aglomerados subnormais, nome técnico dado às ocupações irregulares. De acordo com dados do Censo de junho de 2010, em São Paulo, cerca de 2 milhões de pessoas encontravam-se nesta situação, sendo […]
Por Redação
28|05|2014
Alterado em 28|05|2014
Líderes de ocupações Esperança e Palestina contam a experiência de liderar o movimento de moradia
Mais de 11 milhões de pessoas vivem nos chamados aglomerados subnormais, nome técnico dado às ocupações irregulares. De acordo com dados do Censo de junho de 2010, em São Paulo, cerca de 2 milhões de pessoas encontravam-se nesta situação, sendo 70% delas mulheres, um total de 1.379.425.
Fazendo parte das estatísticas, algumas mulheres da Ocupação Esperança, localizada em Osasco (SP), e da Ocupação Palestina, na zona sul da capital paulista, enfrentam o medo do despejo, agarrando-se à expectativa de um dia receber a posse legal de onde moram. As mulheres sem teto possuem um mesmo sonho: a casa própria.
Esperança
Assembleia de aniversário de seis meses da Ocupação Esperança.
Na Ocupação Esperança, dos cerca de 1.100 barracos registrados, 800 são encabeçados por mulheres.
A constatação é feita por uma das coordenadoras do Movimento Luta Popular, Aline Borges dos Santos, manicure desempregada, 25 anos, casada, mãe de filhos pequenos.
Coordenadoras do movimento Luta Popular. à esquerda Daiana de Amorim à direita Aline Borges dos Santos.
Para Aline, a razão de a composição da Ocupação Esperança ser majoritariamente feminina tem muitas faces. “Não estou julgando de forma genérica o amor do pai pelo filho, mas o da mãe supera. Ela acaba querendo garantir uma estrutura para os filhos, e é o que elas me relatam. Aí os homens acabam vindo para a ocupação, depois, por influência da mulher”, conta.
Aline observa que um dos maiores obstáculos das mulheres em uma ocupação é a mesma enfrentada em qualquer outro lugar, ou seja, o machismo. “Achar que a gente não é capaz de construir um barraco, algumas piadas dizendo que nas manifestações não deveriam ter mulheres.”
Para combater o machismo e entender o papel das mulheres no local, foi criada uma comissão que debate as questões de gênero. “Todas as quintas-feiras, a gente faz reunião de mulheres. Não temos mais casos de homem batendo em mulher por conta do trabalho que estamos fazendo de conscientização. Se tiver que resolver um assunto assim, vamos todas e buscamos uma solução. E tudo que eu posso fazer o meu esposo também pode”, afirma Aline.
Os sem teto resistem há mais de sete meses ao despejo. O terreno ocupado é particular e o dono já entrou com pedido de reintegração de posse. A juíza responsável pelo caso deu um prazo para que a Prefeitura de Osasco se manifestasse com alternativas de moradias para as famílias. O tempo limite expirou no último dia 12 de março e foi determinada a reintegração de posse. Contudo, a juíza voltou atrás de sua decisão, e deu novo prazo de permanência no local para as famílias, após lideranças do movimento apresentarem um laudo técnico que atesta a possibilidade de construir casas no terreno, além de um estudo com alternativas de outros terrenos para a construção de moradias. As negociações avançaram e caminham para um acordo entre a o poder público municipal e os moradores.
Nova Palestina
Embaixo de lonas sem tetos da Ocupação Nova Palestina também resistem a iminência de despejo.
Já na Ocupação Nova Palestina, localizada na região do M’Boi Mirim, extremo da zona sul da capital paulista, cerca de 8 mil famílias se organizam debaixo de lonas em terreno particular, aguardando uma posição do governo.
Organizados com o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), os ocupantes esperam que a prefeitura anule decreto que transformaria a área em parque, defendendo a construção de moradias populares no local.
A ocupação é dividida em 21 setores. Organizados pelos próprios sem-teto, esses grupos têm a função de organizar os ocupantes no terreno, impedir a construção de novas lonas e ajudar as famílias no que for preciso. Uma das lideranças do grupo 8, composto por 1.088 pessoas, é Micheline Maria da Silva Pereira, 33 anos, casada pela segunda vez e mãe de três adolescentes. Sua última profissão foi segurança de banco, mas atualmente está desempregada.
A militante é a única mulher entre os seis líderes do setor. “Eles respeitam porque eu não abaixo a cabeça. Homem tem cabeça mais quente. Mulher tem mais jeito com os acampados. Acho importante ter em todo lugar uma mulher representando. Hoje em dia, a mulher está sendo a chave. As mulheres que estão ganhando.”
Esse ímpeto de liderança permeia também suas relações familiares. Quem controla as finanças em sua casa é ela. “Meu marido faz o bico dele e o dinheiro vem pra minha mão. Dinheiro na mão de homem não adianta, porque só bebem. Eu não deixo não”, esbraveja.
Pernambucana, Micheline veio com os filhos para São Paulo em 2007. Seu objetivo era tentar uma vida melhor na capital paulista. Chegou no Terminal Rodoviário do Tietê e, sem saber para onde ir, ouviu muito o nome Capão, bairro da periferia de São Paulo, e decidiu que esse seria seu destino. “Vim para enfrentar a vida, lá não tinha opção. Cheguei na cara e na coragem, dormia no papelão. Até conseguir um emprego, a gente ficou na rua. Nessa época, cuidei dos meus filhos sem marido, sem nada. Arrumei emprego de faxineira, fiquei lá quatro anos, e depois fui ser segurança.”
Mesmo saindo da situação de rua, as dificuldades continuaram. Ela conseguiu sobreviver e pagar aluguel, mas não por muito tempo. “Eu morava de aluguel e não tinha como pagar, eu invadi e agora minha moradia é aqui. Ouvi comentários de que o pessoal tinha invadido aqui, aí corri e vim para cá. Pagava R$ 380 de aluguel, ganhava R$ 1300, era muito difícil”, conta.
Micheline orgulha-se de sua trajetória, da luta que travou até chegar à ocupação em 2014 e do desafio de criar seus filhos. “Eu não dei meus filhos, não dei nem dou. Criei sozinha, tenho muito orgulho da mulher que eu sou e chegar a ser o que eu sou hoje. Eu me considero uma vitoriosa, depois de tudo o que já passei.”
Sobre as críticas que recebe por ter ocupado um terreno, ela rebate: “falam que a gente é vagabundo, só que tem muita gente trabalhadora. Saem 4, 5 horas da manhã e voltam 7, 8 horas da noite”.