Mulher está em pé em um lugar a céu aberto na Brasilândia. Atrás dela há casas e um rio.

‘Na Brasilândia (SP), seguimos sozinhos, mas cuidando dos nossos’, diz ativista

Keit Lima reflete sobre como as periferias estão sendo afetadas pela Covid-19 e o descaso do Estado para os territórios diante da crise sanitária e social.

Por Redação

08|07|2020

Alterado em 08|07|2020

Eu moro na Brasilândia e consigo sentir o cheiro da morte. Todo dia uma notícia de alguém que faleceu, todo dia Brasilândia estampada nas telas dos celulares e televisões como o lugar com mais mortes, mesmo não sendo o com mais casos. Isso deixa bem evidente que não temos acesso a uma saúde de qualidade.

Com pais dentro do grupo de risco e morando em uma das áreas mais atingidas, conseguia sentir como se a Covid-19 estivesse nos cercando. Aqui não chegou nenhuma ação de prevenção do Estado. Estamos sentindo de forma descarada o descaso total com as nossas vidas.

Até 7 de julho, o Brasil tinha 65.487 mortes e 1.623.284 casos de Covid-19. O estado de São Paulo já somava 16.134 óbitos e 323.070 infectados pelo coronavírus. A capital paulista 173.580 infectados e 7.787 mortes (dados do consórcio de veículos de imprensa e Boletim Diário da Prefeitura de SP).

Há um mês Painho deu positivo. Eu nunca tinha sentido tanto medo na vida. Medíamos o tempo todo sua pressão e a diabetes. Quando algum desses dois sobe demais, precisamos ir para o AMA (Assistência Médica Ambulatorial) ou hospital e falar para os médicos que ele está com Covid-19.

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Keit Lima é moradora da Brasilândia, um dos bairros com mais casos de morte por Covid-19 em SP.

©Arquivo pessoal

Eles então nos mandam voltar para casa. As pessoas na rua literalmente correm de nós. Há uns 10 dias minha irmã também deu positivo para a Covid-19. E o medo, mais uma vez, me atravessou. Estamos por conta própria. E, ao que tudo indica, continuaremos.

Isolamento não é uma possibilidade na minha casa. Estamos lidando todos os dias com os impactos das desigualdades econômicas e sociais, que com a pandemia se intensificaram e ficaram mais escancarados. Contudo, não se engane, do lado de cá essa sempre foi a nossa realidade.

E como fica a família das pessoas com Covid-19? Quem está pensando nessas famílias? Como fazer isolamento em uma casa pequena e com muitas pessoas?

O Estado tem um projeto político de exclusão e extermínio dos pobres, pretos e periféricos. É um projeto genocida. O objetivo deles é nos deixar morrer, mas é preciso lembrá-los: atravessamos oceanos, construímos quilombos, reinventamos modos de viver e estamos resistindo há quase 500 anos.

Aqui na Brasilândia seguimos sozinhos, mas cuidando da gente e dos nossos. Desse lado de cá da ponte,  as palavras de Conceição Evaristo podem ser vistas no rosto de cada pessoa que sabe que é nós por nós porque “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.

Keit Lima, 29, é uma mulher preta, gorda, periférica e ativista. É Líder do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco e cofundadora do movimento Engaja Negritude, que teve por objetivo alinhar candidatas(os) negras(os) em uma pauta única. Integra a Marcha das Mulheres Negras, a Bancada Preta, o Grupo Mulheres do Brasil e Jurídico do Centro de Cultura e Acolhimento de LGBT – Casa 1. Foi a primeira mulher a residir e coordenar a escola de líderes da Educafro. Tem como propósito de vida e luta a equidade racial, de gênero e de classe.