Mulheres que cuidam de idosos na família vivem cansaço, estresse e adoecimento
Trabalho do cuidado é majoritariamente feminino; em 2100, população idosa deve chegar a 40%
Por Beatriz de Oliveira
03|06|2024
Alterado em 03|06|2024
Às 5h, Sandra Oliveira acorda, organiza a casa, prepara a alimentação de sua mãe, Severina Maria, e a ajuda no banho. Depois, se arruma e vai trabalhar. Às 16h, quando retorna, volta a cuidar da mãe até a hora de dormir. Também é preciso acordar de noite para levá-la ao banheiro. Aos fins de semana, exerce a função em tempo integral. “É muito exaustivo e estressante”, desabafa.
Há 15 anos, a educomunicadora de 48 anos se dedica aos cuidados da mãe, de 76. Tudo começou quando ela teve uma lesão no pé em razão da diabetes e se intensificou há oito meses, quando foi necessária uma amputação do membro. Durante o dia, enquanto está trabalhando, uma cuidadora fica com a mãe. O irmão, mesmo quando morava com elas, não ajudava nos cuidados. “Ele acha que a responsabilidade maior é minha”, diz.
A moradora de Cabo de Santo Agostinho (PE) conta que a rotina de cuidados a adoeceu, o que a levou à terapia. “Eu me sinto sufocada, sou emotiva, choro bastante. No fim de semana, que eu poderia sair e ter um respiro, não posso porque preciso cuidar dela. Isso faz com que eu me sinta ainda mais estressada e psicologicamente cansada”.
Sandra ao lado da mãe
©arquivo pessoal
Assim como Sandra, muitas mulheres também encaram a mesma rotina com familiares idosos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de familiares que se dedicavam a cuidados de indivíduos de 60 anos ou mais saltou de 3,7 milhões em 2016 para 5,1 milhões em 2019.
Estudo realizado pela Fundação Seade mostrou que em 2021, 42% das famílias do estado de São Paulo tinham algum membro que demandava cuidados. Em 90% desses casos o cuidador era uma mulher que fazia parte da família e vivia na mesma casa de quem precisa ser cuidado. Metade dessas mulheres era ainda responsável pelas tarefas domésticas.
Em Brasília (DF), Renata Monteiro vive uma rotina semelhante à de Sandra. Ela e a irmã cuidam da mãe, Carlinda Monteiro, há três anos, desde que ela teve Covid-19 e ficou debilitada. Recentemente, também descobriram o diagnóstico de demência vascular.
“A rotina do cuidado exige disciplina e paciência. A paciência muitas vezes se torna invisível, desaparece. Eu estou num processo de aceitação de tudo que está acontecendo com a minha mãe e comigo. Às vezes, fico desesperada por não conseguir atendê-la do jeito que ela precisa”, conta.
Renata cuida para manter a dignidade da mãe. Conta que a mãe é uma mulher guerreira, ativa, independente, que lutou pelos direitos das mulheres negras. Sente dificuldade em vê-la numa situação de dependência. Para manter um padrão de vida que a mãe tinha, ela a leva para atividades de lazer e ao teatro. Mesmo cansada, lamenta por não poder fazer mais. “Como manter um legado de uma mulher como minha mãe, que foi tão forte e perseverante?” questiona.
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Em um futuro próximo, cada vez mais legados precisarão ser cuidados. O Censo 2022 do IBGE apontou que a população idosa no país alcançou o número de 31,2 milhões, sendo 14,7% dos brasileiros. Para 2030, a expectativa é que o número de idosos seja maior que o de crianças e adolescentes de zero a 14 anos.Uma projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) prevê que em 2100 idosos sejam 40% da população brasileira.
É por essas e outras, que a pauta do cuidado se torna preocupação governamental. Em 2023, o governo federal lançou um grupo de trabalho para elaborar a Política Nacional de Cuidados. “Os objetivos desta Política incluem, por um lado, a reorganização da provisão de cuidados no país, de modo a compartilhar esta responsabilidade entre famílias, Estado, mercado, empresas e comunidades e, por outro, a redistribuição das responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres”, diz o documento de lançamento.
A psicóloga Tâmara Calheira é uma das coordenadoras do grupo de acolhimento emergencial para mulheres do espaço Casa de Marias, localizado em São Paulo (SP). São vários os relatos que ela recebe de mulheres que cuidam de familiares idosos. “Essas mulheres, muitas vezes, são atravessadas por questões estruturais acerca do papel da mulher, acabam naturalizando o ato de cuidar e não percebem os impactos que essa função causa ao longo dos anos”, conta.
A psicóloga confirma que a rotina do cuidado de idosos adoece muitas mulheres. “A maioria das mulheres não possuem remuneração, e com base nos relatos das participantes do grupo, elas acabam desenvolvendo doenças tanto no aspecto físico como na saúde mental, apresentando somatizações que afetam seu cotidiano”.
Para lidar com a solidão e a exaustão do cuidar, ela indica que mulheres procurem espaços e grupos em que se sintam escutadas e acolhidas. “Mostrar a importância do autocuidado é também um caminho importante, uma vez que traz a essas mulheres a percepção de que elas também podem receber cuidados, fugindo da lógica de estar sempre responsável pelo cuidado com o outro”, acrescenta.
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