Mirtes Renata: ‘Se ela tivesse pego ele pela mão, meu filho estaria vivo’

Enquanto a mãe passeava com os cachorros, ele chamou pela mãe e entrou no elevador, no quinto andar. Sari Corte, sem tocá-lo, apertou o nono andar e deixou o menino seguir, sozinho. Sem nenhum adulto por perto, ele caiu. A mãe só soube da morte do filho ao voltar com os cachorros. 

Por Redação

04|06|2020

Alterado em 04|06|2020

Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, caiu do 9º andar de um prédio em Recife, Pernambuco, e morreu na última terça-feira, 2 de junho. Ele estava no trabalho da mãe, Mirtes Renata, empregada doméstica na casa de Sari Corte Real, esposa do prefeito da cidade de Tamandaré, Sérgio Hackera.

Enquanto Mirtes passeava com os cachorros, ele chamou pela mãe e entrou no elevador, no quinto andar. Sari Corte, sem tocá-lo, apertou o nono andar e deixou o menino seguir, sozinho. Sem nenhum adulto por perto, ele caiu. A mãe só soube da morte do filho ao voltar com os cachorros. Foi ela, aliás, a primeira pessoa a encontrá-lo estirado no chão. 

Ao Portal G1, Mirtes, que também cuidava da filha de Sari, disse que a patroa não teve paciência para cuidar de Miguel. “Ela confiava os filhos dela a mim e a minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente, ela não teve paciência para cuidar. Eu sei, eu não nego para ninguém: meu filho era uma criança um pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era criança”.

Em outra entrevista, dessa vez para a TV Jornal, ela deixou claro que não precisava de muito para ter evitado a morte de Miguel. “Se ela tivesse um pouquinho mais de paciência, se ela tivesse pego ele pela mão, ao invés de ficar só falando, pegasse ele pela mão e tirasse, meu filho tava hoje comigo”.

Sari Corte Real chegou a ser presa e foi autuada por homicídio culposo, aquele sem a intenção de matar. Presa em flagrante, pagou uma fiança no valor de R$ 20 mil reais e foi liberada para responder em liberdade. A polícia civil de Recife não divulgou seu nome, que acabou sendo revelado por familiares da vítima. Procurada pela imprensa, assim como a assessoria da prefeitura de Tamandaré, ninguém respondeu.

“Ela confiava os filhos dela a mim e a minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente, ela não teve paciência para cuidar. Eu sei, eu não nego para ninguém: meu filho era uma criança um pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era criança”

Ingrid Farias, ativista pernambucana e integrantes de grupos como a RENFA (Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas) e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, fez um post em que questionou: “Se fosse ao contrário? Se fosse o filho da mulher branca que tivesse caído do 9º andar? Será que a mulher preta poderia responder em liberdade?”

Em sua opinião, o racismo mata de muitos jeitos e todo dia. “A justiça branca todo dia passa pano na cara dos deuses brancos. Até quando a vida das nossas crianças negras não vão importar?”

Yane Mendes, uma das articuladoras da rede Pela Vida de Nossas Mães, formado por filhas e filhos de empregadas domésticas no início da quarentena,  ela poderia ter tido o mesmo destino de Miguel.

Em texto publicado na página, ela diz: “Várias faxinas fui com Mainha para os prédios das patroas e vários amigos e amigas também poderiam ter sido Miguel. O que aconteceu com Miguel, 5 anos, escancara mais uma vez a desigualdade, o racismo e o classismo.

Outro ponto levantado por Yane tem relação com o fato de Mirtes estar trabalhando durante o período de isolamento, sendo que o trabalho doméstico não é uma tarefa essencial. “Quantos de nós morreram na casa grande? Quanto terão que morrer nos prédios para algo ser feito? Estenda sua militância de internet, ecoe o grito de quem não aguenta mais lutar diante de tanta injustiça”, afirma.

Em uma de suas entrevistas, Mirtes deixou claro que reconhece a desigualdade brasileira. Ela disse ter certeza de que, se fosse ao contrário, ela não receberia o mesmo tratamento que Sari Corte Real e não teria direito nem de fiança.

“Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na televisão. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado”.