Letícia Giovanna: a jurista negra, bissexual e periférica que inspira o orgulho LGBTQIA+

Junho é o mês de celebração do orgulho LGBTQIA+ e vamos celebrar com histórias. Letícia Giovanna, mulher negra, bissexual e periférica, compartilha sua jornada e busca por representatividade.

07|06|2023

- Alterado em 07|06|2023

Por Victória Dandara

Junho é marcado como o mês de celebração do orgulho LGBTQIA+. Durante este período, ao redor do mundo, exaltamos as vivências e existências de corpos dissidentes de gênero e sexualidade. No entanto, além de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e travestis, existem muitos outros atravessamentos e histórias a serem considerados. Nesta comunidade extremamente complexa, encontramos mulheres, pessoas negras, moradores e moradoras de periferias, pessoas com deficiências múltiplas, mães e diversos outros grupos com suas diferentes demandas e experiências sobre o que significa ser LGBTQIA+.

Por essa razão, eu, como uma travesti que nasceu e cresceu na periferia da zona leste de São Paulo (SP), juntamente com o “Nós, Mulheres da Periferia”, trazemos, ao longo de todo o mês de junho, algumas dessas histórias de corpos femininos LBTI+ que vivem em diferentes quebradas, cada uma com suas dores, mas principalmente com suas vitórias e sonhos. Muitas vezes, falamos sobre episódios tristes e denúncias de violência, mas neste mês do orgulho LGBTQIA+, vamos falar de orgulho e celebração!

E é com muito orgulho que inicio esta série de entrevistas com minha grande amiga . A jovem jurista, recém-graduada pela primeira turma de cotistas étnico-raciais da tradicional Faculdade de Direito da USP, é uma mulher negra, bissexual e periférica. Aos 25 anos, assim como eu, ela nasceu e cresceu em Itaquera, na zona leste de São Paulo (SP). Estudante de escola pública, Letícia sempre teve grandes sonhos e a coragem de lutar por eles, mesmo diante de desencorajamentos. “Minha trajetória simboliza a superação de barreiras. Ouvi muitas vezes de pessoas próximas que certos espaços não eram para mim”. No entanto, ela não acreditou nos estereótipos de gênero, raça e classe social que tentaram impor a ela e, após alguns anos de cursinho, conquistou a tão sonhada vaga em uma universidade pública.

Durante seus cinco anos de estudos na Academia do Largo de São Francisco, Letícia buscou se envolver com movimentos sociais de negros, negras e LGBTQIA+. No entanto, ela sentia que sua representatividade ainda era limitada, faltava um elemento de identificação de classe. “Quando você é periférico, sua existência é muito voltada para a sobrevivência. Na ‘SanFran’, os debates são mais centrados na universidade, não ultrapassando as fronteiras do mundo exterior”, conta. Ela relata episódios em que era chamada para participar de discussões sobre raça e gênero, mas frequentemente de forma “superficial”, sendo “convidada apenas a estar presente, mas não a contribuir efetivamente para os eventos e debates”. Por isso, Letícia destaca a importância dos laços afetivos dentro da periferia em sua trajetória. Desde que se assumiu como uma mulher LGBTQIA+, ainda na adolescência, ela pôde frequentar espaços onde se sentia acolhida, como o “Helipa LGBT”, um baile funk voltado para pessoas com diferentes orientações sexuais e identidades de gênero na comunidade. Ela relata como o empoderamento como mulher negra foi fundamental para entender sua bissexualidade, pois percebeu que era livre para se relacionar com quem desejasse.

Atualmente, Letícia está em um relacionamento com Madu, uma mulher negra e lésbica que também vive em seu território. Em um relacionamento com alguém que enfrenta as mesmas questões e desafios, Letícia destaca como encontrou um afeto baseado em troca e fortalecimento. “Uma entende a vivência da outra como mulher, negra, periférica e acadêmica, inclusive na resistência ao preconceito”. Juntas, elas abriram espaço em suas famílias para discutir sobre a vivência LGBTQIA+, sendo as primeiras pessoas assumidas em seus núcleos familiares. “Foi um processo de construção”, relata. No início, houve conflitos, mas que ela atribui à falta de informação sobre o assunto nas periferias. No entanto, com tempo e diálogo, ambas as famílias se abriram para o amor de Letícia e Madu, passando a tê-las como referência devido aos esforços das duas em estudar e construir um futuro próspero.

Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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