Jovens e eleitoras: elas têm consciência política e desejo de mudança

Número de eleitores com menos de 18 anos cresce 51,13% no Brasil , é o maior crescimento dos últimos tempos.

Por Semayat S. Oliveira

20|07|2022

Alterado em 25|07|2022

As eleições de 2022 estão diferentes. O número de jovens entre 16 e 17 anos com título de eleitor aumentou de 1,4 milhões, em 2018, para 2,1 milhões, em 2022. O aumento foi de 51,13%, segundo dados divulgados no dia 15 de julho pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas esse crescimento não aconteceu do nada. 

No começo deste ano, campanhas de incentivo para adolescentes tirarem o título de eleitor pipocaram em diferentes estados do Brasil. Desde organizações em escolas até declarações públicas de artistas em shows e festivais musicais, a intenção era provocar um comprometimento da juventude com a festa da democracia, marcada para o dia 2 de outubro. 

Como os números mostram, a juventude atendeu ao chamado. Por isso, o Nós, mulheres da periferia entrevistou duas jovens mulheres negras. Durante a conversa, ambas contaram como enxergam o atual contexto nacional, a expectativa para o voto e de onde vieram suas influências políticas.

“O voto é como a escolha de um espelho nosso”


A novata  Ligia Sophia, 17, é estudante do 2ª ano do ensino médio e moradora do bairro Jardim das Acácias, na zona sul da cidade de São Paulo. Ela conta que começou a se atentar mais nas eleições depois da disputa de 2018.

Foi o perfil do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), que acendeu um sinal vermelho. “Eu pensei: ‘meu Deus, como isso pode acontecer aqui e desse jeito?’. Então, comecei a prestar mais atenção”.

Hoje, ela integra o grêmio estudantil de sua escola e, a partir desta experiência, sente fazer  parte de um “mini partido” e representar uma “mini sociedade”. A partir de vivências como essas, passou a compreender a política de outras formas.

“Tudo é política. O que a gente come é política, nosso pensamento é política, como a gente se comporta um com os outros na sociedade é política também, mesmo que a gente não perceba”.

Para Sophia, um dos desafios para o pleito eleitoral deste ano é a violência “causada por homens aborrecidos” , excessivamente egóicos e pouco responsáveis pela nação. As posturas de Bolsonaro exemplificaram sua análise.

“Ele se posiciona de forma infantil, com argumentos sem fundamento. Muito do que vem dele tem mais ego e preocupação com sua própria imagem do que qualquer outra coisa”.

Nas redes sociais, embora prefira não se posicionar publicamente, costuma curtir e compartilhar conteúdos que endossam o que ela acredita.”Acho isso legal para proliferar  ideias para pensarmos juntos de forma pacífica”.

Um dos espaços em que costuma opinar e refletir o assunto é a sua própria casa. “Minha irmã é advogada e abre esse diálogo. Nossas  conversas têm muita influência dela”.

Falando em poder de influência, discorda da forma como o presidente da república usa seu poder de persuasão. “Muitas pessoas são condicionadas pelos pensamentos que ele prolifera e isso tem causado muita violência, como no caso do aniversariante que foi morto. É uma coisa terrível”, diz, se referindo ao assassinato de Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PR). 

Nessa eleição, decidiu votar para ter a chance de escolher “quem falará por nós” nos próximos anos.  Para Sophia, o ideal seria ter formas de testar a eficácia  e avaliar os projetos de cada candidato e candidata antes da eleição. 

“O voto é como a escolha de um espelho nosso,  como se escolhêssemos quem vai cuidar dos nossos filhos, dos nossos idosos em leitos de hospital e das pessoas que realmente precisam. Penso que quem será eleito é a gente mesmo. Só que com um alcance bem maior”.

“É necessário crescer politicamente” 

Do outro lado da cidade, no bairro do Limão, na zona norte, Bárbara Olusete Braga, 22, pouca coisa mais velha que Sophia, votará pela terceira vez. Jornalista da ESPN Brasil, ela  acredita que participar das eleições é uma tentativa de defender os direitos dos cidadãos e cidadãs. 

“Por mais que eu ache que essa seja a última coisa que [o voto] tem nos oferecido nos últimos 5 ou 6 anos, votar ainda muda a vida de toda uma sociedade. As mudanças podem atingir, positiva ou negativamente,  mais algumas  pessoas do que outras, mas todos são impactados”, opina. 

Vinda de uma família extremamente ligada à política, aprendeu a refletir sobre a conjuntura do país dentro de casa. “Minha família, principalmente a paterna, sempre esteve muito ligada à política. Meu pai e meu tio sempre contam que, quando eram crianças, iam à casa do tio Joaquim e o presidente Jânio da Silva Quadros sempre passava lá”, lembra.

Sua mãe, com quem cresceu, é advogada. O reduto das discussões políticas era a casa do avô materno, Victorino Rocha, a quem ela define como um amante da política.

“Ele tinha livros e livros sobre política, sobretudo brasileira, e sempre foi uma referência pra gente. Nos almoços de final de semana, alugavam meu avô por horas”. 

Hoje, essa bagagem familiar compõe seu jeito de compreender e analisar o sistema político brasileiro.  Para Bárbara, levando em consideração a predominância de representantes homens e brancos nos espaços de poder, o sistema político do Brasil favorece apenas uma parcela da sociedade. “Ainda assim, vejo mudança nos últimos anos, justamente porque estamos traçando estratégias para ocuparmos esse mecanismo”, aponta. 

Quando o assunto é partidário, a jovem prefere não se posicionar e diz não se sentir representada. “Se não me enxergo, não me posiciono”, diz, categoricamente. “Vendem uma falsa ideia de ‘estamos aqui por vocês’ ou ‘a esquerda é a que mais abraça as causas’, mas não é. Se fosse, estaríamos presentes de forma relevante, em posições de decisão, não apenas como fantoches limitados, só até onde lhes convém”.

Ao ser perguntada se considera o atual momento político violento, a resposta da neta do seu Victoriano veio como uma flecha:

“Nunca achei a política dócil. Vejo a política como ‘um agressor combatendo a violência criada por si’. Mas entendo que estamos externalizando mais os fatos e isso é ótimo! Na era da exposição e cancelamento, externalizar é uma grande oportunidade de corrigir erros”.

No ano em que a população precisará eleger um/uma presidente, deputados federais e senadores, o que ela espera é um eleitorado mais bem posicionado. “Precisamos exigir novas ideias, novos rostos e que abracem nossas lutas de forma genuína, não só no papel”, ressalta.

E em sua jovem trajetória, contou ter um aprendizado fundamental: política é estratégica. Por isso, afirmar que, para jogar esse jogo, é preciso “enxergar além de o que nos ensinam ou permitem ver”.

“Temos que estudar estratégias que nos favoreçam, mas sem confiar cegamente. É necessário crescer politicamente, não dá mais para sermos um eleitorado infantil, crianças nas eleições. Pensando bem, minha expectativa é um amadurecimento do eleitorado”, conclui.


Esta reportagem integra a campanha #CompartilheInformação #CompartilheDemocracia realizada pela Artigo 19 e PerifaConnection