Jornalistas da zona sul de SP lançam livro sobre mulheres da periferia

O livro será lançado neste sábado (23), na casa de Cultura Santo Amaro (zona sul), durante a segunda edição da feira Literamina, organizada pela coletiva Sarau das Mina

Por Jéssica Moreira

21|03|2019

Alterado em 21|03|2019

Quando Brenda Torres e Sabrina Nascimento estavam prestes a concluir a graduação em Jornalismo, entenderam que havia um grande desafio pela frente: contar histórias da periferia que ainda não haviam sido visibilizadas pela mídia.

Foi quando iniciaram um processo intenso de pesquisa e visitas a espaços culturais para conhecer histórias de mulheres periféricas que estavam fazendo a diferença em seus territórios.

Das tantas histórias que se depararam, em sete puderam se debruçar e produzir perfis biográficos que integraram o livro “Identidade e Força Ancestral: histórias de mulheres dentro da periferia de São Paulo, trazendo as histórias de vida de Tula Pilar, Ana Paula Nascimento, Marilu Cardoso, Aline Anaya,  Giovana Tazinazo, Jéssica Moreira e Bea Andrade.

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Divulgação

O projeto, que havia sido desenvolvido em 2016 para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) das jornalistas, em 2018 foi selecionado pelo edital Temporada de Originais do Grupo Editorial Letramento e neste sábado (23), será oficialmente lançado na Casa de Cultura de Santo Amaro (zona sul), durante a 2ª edição da feira Literamina, organizada pela coletiva Sarau das Mina.

O grande objetivo das escritoras foi mostrar as trajetórias de resistência que permeiam a vida das mulheres nos bairros periféricos, para assim inspirar também outras jovens que vivem nestes locais.

“Queríamos mostrar para essas mulheres que o corre delas hoje está deixando sementes que vão crescer e dar frutos, assim como elas se inspiram em nossas ancestrais pra se manter em pé, as jovens estão e vão se inspirar nelas também”, pontua a jornalista Sabrina.

Para elas, que também são jornalistas da periferia, e tiveram muita dificuldade em encontrar registros sobre o movimento de mulheres nas periferias, é crucial contar essas histórias, para que elas não sejam apagadas ou esquecidas.

“Tivemos muitos problemas em achar registros sobre o feminismo além do academicismo, foi bem complicado achar relatos sobre o movimento de mulheres em regiões periféricas. Nesse lado, as coisas andam mais por oralidade e vivência”, pontua Brenda.

Para falar um pouco sobre o processo de produção literária, assim como os desafios encontrados tanto durante as entrevistas quanto para a publicação, o Nós entrevista as jornalistas Brenda e Sabrina, que falam quão importante é o registro escrito de histórias de mulheres periféricas, dentro do mundo editorial e acadêmico, assim como relatam as dificuldades enquanto jornalistas periféricas para que o projeto saísse do papel e se tornasse um livro.

Confira a entrevista na íntegra!

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Sabrina e Brenda com o exemplar “Identidade e Força Ancestral” nas mãos/ Arquivo pessoal

Nós, mulheres da periferia: como foi o processo de chegar às mulheres da periferia para o livro? 

Brenda Torres: Nós já conhecíamos algumas mulheres que são referência no meio cultural da periferia, como é o caso da Tula Pilar, que foi a primeira que nós pensamos em chamar para o livro, e a Jéssica Moreira, por sua presença no Nós, mulheres da periferia. Como pensamos em diversificar as idades e regiões, tivemos que realizar uma pesquisa sobre coletivos e grupos feministas que desenvolviam algumas ações em seus bairros. Além disso, conforme fomos tendo contato com as meninas, algumas delas nos passaram outras referências, foi a Bea Andrade que nos falou da Ana Paula, e as duas estão no livro.

Sabrina Nascimento: Quando a gente conseguiu definir o tema, já pensamos em algumas mulheres que poderíamos convidar para participar, mas chegamos na maioria das meninas por grupos no Facebook de diversas periferias de São Paulo, onde a gente postava sobre a nossa ideia e recebíamos algumas respostas. Com isso, foi possível encontrar uma história em cada canto dessa cidade. Também tivemos indicações, porque como essas mulheres já estavam envolvidas no meio cultural da periferia, indicaram outras participantes. Isso nos ajudou bastante e a gente ficou super feliz porque foi um sinal de que nossa ideia de fazer esse registro era importante pra elas também.

Nós, mulheres da periferia: quais foram os maiores desafios? 

Brenda Torres: A princípio tivemos algumas dificuldades em definir exatamente sobre o que queríamos tratar dentro do movimento feminista periférico e interseccional. Depois que decidimos tentar fazer um panorama do lugar da mulher em relação às histórias que entrariam para o livro, tivemos muitos problemas em achar registros sobre o feminismo além do academicismo, foi bem complicado achar relatos sobre o movimento de mulheres em regiões periféricas, mas conforme fomos convivendo em espaços com esses trabalhos, as coisas começaram a se desenrolar, nesse lado as coisas andam mais por oralidade e vivência, coisas que desenvolvemos bem durante esse trabalho. Já durante o processo de conhecer as meninas, também passamos por alguns obstáculos para conciliar agendas, conseguir encontrar todas com a mesma frequência, mas além disso, creio que nosso maior desafio foi conseguir processar todas as informações e ensinamentos que estávamos vivenciando, e ter que balancear todo o corre do TCC que além do livro, teve o relatório e pesquisas teóricas com o trabalho e questões pessoais.

Sabrina Nascimento: No início, foi difícil encontrar registros sobre o feminismo na periferia pra construir a parte teórica justificando o porquê do tema, só que não encontramos nenhum registro em documentos acadêmicos, só na trajetória de cada mulher com quem a gente cruzou.

Depois, a dificuldade foi encontrar as mulheres para participar, porque a gente tinha definido um prazo até maio/junho pra ter os nomes definidos, mas a gente só tinha combinado com uma e ainda faltava falar com as outras.

Também teve a dificuldade de conciliar a nossa rotina com a rotina delas. Tínhamos que pensar na distância que íamos percorrer. No meu caso, por diversas vezes, tive que pensar no horário de voltar pra casa também pra não perder o horário do ônibus. Fora que ao mesmo tempo que fazíamos as entrevistas, estávamos escrevendo e nessa hora o celular ajudou, porque por diversas vezes, escrevemos nos ônibus, trens ou metrôs.

Nós, mulheres da periferia: qual a importância de ter um livro só com mulheres periféricas? 

Brenda Torres – Vejo nosso livro como um material bem importante para o desenvolvimento e entendimento da sociedade em que vivemos. Primeiro porque os documentos com dados sobre o movimento de mulheres em periferia são bem escassos, ou quase inexistentes. Segundo porque ainda que existam registros, eles normalmente são apagados ou silenciados a todo momento. Nós somos colonizados todos os dias, e eu só fui entender isso a partir da construção desse livro, onde comecei a me rever e repensar minhas ações e costumes mais a fundo. Hoje, vendo tanto retrocesso sociopolítico no Brasil, ver que conseguimos realizar um trabalho como esse, onde deixamos marcadas histórias tão bonitas e resistentes das mulheres presentes no livro, me faz pensar que nós demos um passo muito maior do que pensamos lá na faculdade.

Sabrina Nascimento: É importante para valorizar a vivência de cada uma. Dar visibilidade pra cada história, que têm sua particularidade, mas se cruza por meio da cultura e resistência que é tão rica na periferia e, infelizmente, tentam apagar. Além disso, é mostrar pra essas mulheres que o corre delas hoje está deixando sementes que vão crescer e dar frutos, assim como elas se inspiram em nossas ancestrais pra se manterem em pé, as jovens estão e vão se inspirar nelas também. Eu também vejo que é nossa responsabilidade como jornalistas moradoras da periferia, temos que fazer esse registro da história, não podemos permitir que não mais se apague ou fique esquecido.

Nós, mulheres da periferia: como foi o processo de apresentar o livro para uma editora? e quais dicas vocês dão pra quem quer lançar um livro tbm)

Brenda Torres – Nós vimos a publicação do Grupo Letramento sobre um edital de publicação de autores iniciantes e pensamos que valia a pena tentar. Enviamos a documentação que era necessária e um tempo depois recebemos a mensagem que nosso livro havia sido um dos selecionados e ficamos muito felizes e agradecidas. Depois disso, a gente começou um trabalho para revisar e reformular algumas partes do livro, tudo em contato com as meninas, e com a Laura, da equipe Editorial da Letramento que sempre nos deu muito suporte.

Para quem quer lançar um livro, minha dica é procurar e ficar de olho em editais público e privado. Hoje em dia também tem a vaquinha online, onde você estipula um preço e as pessoas te ajudam como podem, inclusive essa era uma das nossas ideias. No mais, se envolver em ações como saraus e lançamentos de autoras e autores independentes é importante para criar uma rede e fortalecer quem está perto.

Sabrina Nascimento: Chegamos no Grupo Editorial Letramento através de um edital para descobrir novos autores. A Brenda foi quem viu o post no Facebook e sugeriu que a gente inscrevesse o livro porque tentávamos publicar há um ano e não tínhamos conseguido. Quando saiu o resultado, não acreditamos de tanta felicidade porque é difícil um autor independente publicar um livro, tem que pagar para a editora imprimir por cada tiragem e naquele período não tínhamos como fazer isso. Se não tivéssemos conseguido o edital estávamos pensando em fazer uma vaquinha virtual pra conseguir publicar.

A dica que deixo é a mesma da Brenda, ficar de olho em editais porque depois que conseguimos, descobrimos outros o que é muito legal. E se o edital não der certo, tem as vaquinhas que você define a meta de quando dinheiro precisa e as pessoas ajudam. Temos Centros Culturais também que têm o próprio selo pra publicação, como o Centro Cultural do Grajaú, existem as editoras da periferia também, como a FiloCzar no Parque Santo Antônio que tem um trabalho super legal com escritores da própria periferia. Ou seja, vale pesquisar ao máximo as possibilidades e avaliar qual a pessoa se sente mais confortável em buscar e ir atrás. Só não vale desistir, talvez demore, mas um dia dá certo.