Jazz é música de elite? Mulheres periféricas provam que não
Apesar de ter o estigma de elitizado, o jazz tem origem negra e periférica. Conheça a experiência de mulheres brasileiras nesse estilo musical.
Por Beatriz de Oliveira
09|05|2023
Alterado em 19|05|2023
Atrás do palco montado para um festival na favela do Jardim Boa Vista, zona oeste de São Paulo (SP), a cantora de jazz Izzy Gordon se preparava para ser a próxima a se apresentar. Disse que ali, cantando, comemoraria seu aniversário – havia completado mais um ano de vida no dia anterior. Em se tratando de sua carreira musical, há de fato, muito a comemorar. Izzy Gordon se dedica ao jazz há 30 anos, e sabe bem contar as dores e delícias de ser uma mulher brasileira nesse gênero musical.
O fato do meio do jazz ser muito masculino no país foi uma das principais dificuldades enfrentadas pela cantora, que teve que se impor em vários momentos. Há também o estigma de que o ritmo é elitista, apesar de ter origem negra. Mesmo diante disso, Izzy Gordon canta desde festivais populares até os mais aclamados, além de participar de shows de diversos cantores, como Emicida, Margareth Menezes, Elba Ramalho, Paula Lima, Zizi Possi e Ed Motta. Se consolidou em espaços que a sociedade “acha que ela, como mulher negra, não deveria chegar”, como a mesma define.
O gosto pela improvisação foi um dos motivos para decidir se enveredar nesse ritmo musical. “O jazz é improviso, está na música brasileira, no forró, é universal”, diz. Sarah Vaughan, Billie Holiday e Ella Fitzgerald são algumas de suas referências no ramo.
Izzy Gordon
©Junior Santos
Um festival de jazz na quebrada
Foi pensando em colaborar com a visibilidade de mulheres no gênero musical que o coletivo Jazz na Kombi organizou o Favela Jazz Festival – Especial Mulheres, que ocorreu em 30 de abril, Dia Internacional do Jazz. Com apresentação apenas de bandas de mulheres, o rolê contou com nomes como Izzy Gordon, Vera Figueiredo, Sintia Piccin Sexteto, Ladybird Quarteto, Lilian Estela e Funmilayo Afrobeat Orquestra. É a sexta edição do festival, que ocorre no Jardim Boa Vista e tem como proposta levar o jazz “num rolê até suas raízes”.
Caru Laet, produtora do Jazz na Kombi, conta que “sempre são majoritariamente homens nos festivais, então pensei em chamar só bandas de mulheres nesta edição, a ideia é que elas estivessem em maioria e pudessem ter maior liberdade para fazer seus shows”.
A produtora também comenta sobre a importância de eventos como esse serem realizados em locais periféricos. “A gente percebe que essas ações transformam o bairro, as pessoas conhecem coisas novas e se envolvem, é algo que move toda comunidade, todos participam”.
GALERIA 1/5
Mas, o que é o jazz?
O jazz surgiu em Nova Orleans, nos Estados Unidos, entre o final do século XIX e início do século XX. O ritmo foi criado a partir da mistura de características de musicalidades africanas e europeias, sendo influenciado também pelas canções coletivas de trabalho que eram hábito de escravizados africanos em solo norte-americano. Improviso e mescla de ritmos e batidas são característicos do jazz. No início, o estilo musical foi alvo de preconceito, haja vista que era uma cultura negra, mas conforme se popularizou foi fortemente aderido por artistas brancos.
Algo semelhante aconteceu com a origem do samba no Brasil. Conforme explica a cantora Lilian Estela, ambos os ritmos tiveram origem a partir de descendentes de escravizados e em espaços periféricos, bem como ultrapassaram esses locais, atingindo toda sociedade. Há ainda a capacidade de inovação e valorização da cultura.
De acordo com o artigo “Nos acordes da raça: a era do jazz no meio afro-brasileiro”, do doutor em História Petrônio Domingues, as jazz-bands emplacaram no Brasil na década de 1920. Afirma também que o gênero muscical no Brasil passou por novas adaptações, com mescla de ritmos estrangeiros e nacionais.
Sobre o papel das mulheres nesse período, o autor do diz “a história do jazz no meio negro paulista contou com a presença das mulheres, ainda que estas enfrentassem uma série de obstáculos para serem aceitas socialmente, sobretudo nos espaços públicos”.
Lilian Estela ressalta que a personificação do jazz nas vozes das cantoras fez com que o gênero tivesse maior capacidade de expansão, visto que começou sendo apenas instrumental. Já sobre o jazz brasileiro atual, ela afirma: “é um estilo criativo, espontâneo e bonito; com uma capacidade de se reinventar e cada vez mais enriquecer a cultura brasileira”.