Fevereiro triste: mais um ano sem carnaval de rua

Mulheres integrantes de blocos relatam a sensação de não ocupar as ruas mais uma vez e salientam o papel democrático do carnaval de rua.

Por Beatriz de Oliveira

08|02|2022

Alterado em 08|02|2022

Pelo segundo ano consecutivo, blocos de carnaval não poderão sair às ruas para realizar os tradicionais cortejos. O motivo é o mesmo de 2021: a pandemia de Covid-19. Desta vez, a variante Ômicron é a causadora de um aumento de casos da doença. Os desfiles de escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro estão confirmados e devem ocorrer em abril. 

Atividades econômicas relacionadas aos dias de folia do carnaval movimentam cerca de R$ 8 bilhões em todo o Brasil. Com a impossibilidade do carnaval de rua, muitos trabalhadores perdem a fonte de renda que a festa proporciona. 

Maria Carolina Oliveira integra há quatro anos a ala da percussão do Afoxé Alafin Oyó, tradicional bloco afro de Olinda (PE) com mais de 30 anos de existência.

Ela chama atenção para o fato de que a cadeia produtiva do carnaval vai muito além de quem desfila nos blocos. “Vai de quem canta à quem produz, passando por quem costurou a roupa à quem vendeu os adereços”, diz. “A gente vive o carnaval, mas a gente também sobrevive dele”, resume. 

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O Bloco do Beco realiza seus desfiles na zona sul de São Paulo.

©Maloka Filmes


Sem carnaval de rua, blocos enfrentam dificuldades

Periférico, o Bloco do Beco realiza seus cortejos desde 2002 em ruas da zona sul de São Paulo (SP). Anabela Gonçalves, presidenta do bloco, conta que não poder desfilar afeta as relações comunitárias. “O bloco se comunica muito com a comunidade de forma geral durante o carnaval”.

Além do bloco, os integrantes criaram uma associação cultural, que também sofreu os impactos da pandemia. Anabela conta que as atividades, que eram presenciais, não puderam ser realizadas nesse período e as atividades online não eram ideais para o público atendido.

Um dos novos focos durante a pandemia foi a entrega de cestas básicas para famílias, tarefa que exigia contatos presenciais, mas com protocolos de segurança. 

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Anabela Gonçalves é ativista social e presidenta do Bloco do Beco.

©Arquivo Pessoal

Em Olinda, o Afoxé Alafin Oyó tem enfrentado dificuldades econômicas. Maria Carolina conta que o grupo realizou algumas apresentações esporádicas durante esses dois anos, mas não conseguiu montar uma live para marcar o carnaval de 2021, por exemplo. Ela salienta a necessidade de respaldo do poder público para manter o afoxé funcionando.

Anabela concorda com essa necessidade, afirma que a falta de subsídios do governo fez com que grupos de carnaval periféricos deixassem de atuar durante o período pandêmico, o que compromete sua continuidade. Acrescenta ainda que quem promove o carnaval de rua ainda não é visto com a devida importância.


A tristeza por não poder fazer a alegria nas ruas

No atual cenário pandêmico, “seria totalmente irresponsável brigar pelo carnaval de rua”, afirma Maria Carolina. E lembra da emoção que é estar na rua celebrando essa festa.

“Quando a gente está rua, se preparando para fazer o xirê, cantar para os orixás, sente o calor do orixás, as pessoas batendo palmas, arrepia tudo”.

Antes mesmo do cancelamento dos desfiles dos blocos de rua, o Bloco do Beco já havia decidido não realizar seu cortejo. Apesar dessa consciência, Anabela ressalta a tristeza do bloco em mais um ano sem carnaval de rua. E sobre a importância do carnaval, afirma: “é uma festa para todos, pública, sem ingresso, sem portão”. 

Acrescenta ainda que o evento é para muitos jovens periféricos o primeiro contato com a cultura. “Pra gente o carnaval é um ato simbólico de democratização da cultura”.

Carnaval só para quem tem dinheiro?

Diante dos riscos de contaminação no carnaval de rua, se passou a discutir as festas em ambientes fechados como alternativa, com cobrança de ingresso e limitação de pessoas.

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Maria Carolina Oliveira Integra a ala da percussão do Afoxé Alafin Oyó.

©Arquivo Pessoal

As entrevistadas discordam da entrada paga para participar do carnaval. “A partir do momento que eu cobro, eu faço uma seleção, faço um carnaval só para quem tem dinheiro”, diz Maria Carolina.

Para a carnavalesca, essas festas seriam uma boa opção caso não se cobrasse ingresso e o cachê dos artistas fosse garantido. 

Já Anabela, acredita que o cancelamento do carnaval deveria ser geral, e que a realização dessas festas fechadas e de desfiles em sambódromo também tem potencial de disseminação do vírus. 

Ela chama atenção para os interesses econômicos envolvidos no carnaval. E salienta que, diferente do carnaval realizado nas periferias, é difícil cancelar acordos financeiros maiores, como os que envolvem os desfiles das escolas de samba. 


Reportagem publicada originalmente no portal Expresso Na Perifa – Estadão