Fala Memo, Nós Memo!  Baile do Brime,  espaço de elevação de autoestima para as periferias

O Brime não apenas traz suas referências, mas também promove a liberdade de contar suas histórias e reverenciar suas próprias origens

11|04|2024

- Alterado em 11|04|2024

Por Redação

No último dia 28 de março, fui ao Baile do Brime, na Audio, em São Paulo (SP). Embora não estivesse lá para fazer uma cobertura de show, pude refletir sobre os movimentos coletivos culturais e artísticos que ultrapassam limites geográficos – um fenômeno que faz com que um mesmo tema seja discutido em vários locais do mundo ao mesmo tempo.

Com os avanços tecnológicos, hoje podemos acessar informações mais rapidamente e saber o que está acontecendo em outros países em tempo real. Porém, lembro-me de uma experiência em 2017, quando tive a oportunidade de assistir a uma fala de Renata Bittencourt, educadora, gestora cultural e historiadora da arte, no SESC Belenzinho, em uma formação para a Bienal Naifs do Brasil. Essa experiência trouxe um novo olhar sobre algumas conexões de arte.

Durante o encontro, Renata correlacionou a vida e a obra de William Johnson, nascido em 1901 na Carolina do Sul, EUA, e Heitor dos Prazeres, nascido em 1898 no Rio de Janeiro, Brasil. Apesar de estarem em países diferentes, ambos os artistas retrataram a vida cultural de suas comunidades por meio de suas pinturas. Enquanto Johnson falava sobre seu povo e o jazz em Harlem, Nova York, Heitor retratava a vida nos morros cariocas e o samba. Mesmo sem se conhecerem, suas produções artísticas compartilhavam semelhanças estéticas e transmitiam as vivências das comunidades sem exotismo ou colonialismo. Lembrando-nos que a capacidade de falar sobre si mesmo é uma coisa poderosa.

GALERIA 1/2

Obra "Blind Singer" de William H. Johnson © William H. Johnson/Blind Singer/Serigrafia com têmpera/1942

Obra "Músicos" de Heitor dos Prazeres © Heitor dos Prazeres/Músicos/Óleo sobre tela/Década de 50

Bem, antes dessa experiência com Renata, eu já frequentava encontros em São Paulo, como shows e festas punks, eventos de Hip Hop e Soundsystems. Neles, aprendi sobre autogestão e ocupação do espaço público, a relação dos públicos com a polícia e como muitos desses encontros eram influenciados por movimentos políticos como a revolução do Haiti e a independência jamaicana.

Por isso é especial olhar para o surgimento do gênero Grime nas periferias de Londres nos anos 2000 e pensar na influência das comunidades jamaicanas que desembarcaram no Reino Unido nas décadas de 1950 e 1960 e que influenciaram também o nascimento do gênero punk a partir dessa conexão cultural.

O Brasil, com suas características muito próprias, também desempenha um papel significativo nesse contexto. Brime, composto por Fleezus, Febem e Cesrv, é um exemplo disso. Apesar da influência do Grime, eles incorporam elementos brasileiros em suas músicas e nas imagens dos álbuns.

“…Manda avisar que aqui nóis tira água de pedra

Terceiro mundo, fábrica de Marighella…”

O trecho citado é de Terceiro Mundo, terceira faixa do Brime I, álbum lançado em 2020.  O Baile do Brime, além de um evento musical, é um espaço de elevação de autoestima para as pessoas das periferias, lembrando eventos históricos como o One Love Peace Concert, show de Bob Marley em 1978 e shows clássicos de rap nos anos 90.

festa cheia de pessoas

Baile do Brime

©Fernando Augusto

O Brime, assim como William Johnson, Heitor dos Prazeres e os movimentos surgidos a partir das movimentações com influência jamaicana como o punk, não apenas traz suas referências, mas também promove a liberdade de contar suas histórias e reverenciar suas próprias origens e referências, mães, avós, amigos, familiares, etc. Conectando-se a outras realidades similares para além dos limites de território.

Em um país marcado por conflitos raciais, sociais e de gênero desde a colonização, cada passo em direção à liberdade de expressão é significativo. A arte, assim como o Brime, desempenha um papel fundamental nesse processo, como expresso na letra de Sobe o Morro, 2021:

“…Não existe ré, só fé pra atravessar o deserto

Que miragem é mato e chuva só vem de perreco

Vai ficar sem cara se atravessar o certo

Pela linha torta escrevo um livro de progresso…”

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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