Eu não mereço ter medo

  “Me preparo para sair. Batom vermelho. Sombra, top e minissaia. Minutos antes do tchau, meu pai me chama a atenção. Aponta a porta do guarda-roupa e diz que filha dele não pode sair de sainha. Retruco. Não adianta. Minha mãe tenta consertar. O medo de seu pai, filha, é que algum doido por aí […]

Por Jéssica Moreira

11|12|2014

Alterado em 11|12|2014

 
nao_merecemos_ter_medo“Me preparo para sair. Batom vermelho. Sombra, top e minissaia. Minutos antes do tchau, meu pai me chama a atenção. Aponta a porta do guarda-roupa e diz que filha dele não pode sair de sainha. Retruco. Não adianta. Minha mãe tenta consertar. O medo de seu pai, filha, é que algum doido por aí mexa com você, te enfie num carro e te estupre.
Mãe, isso não é só medo do pai, é a forma como ele ainda reproduz o machismo presente em nossa sociedade, prevalecendo a lógica desigual de tratamento para homens e mulheres.
Pai, mãe, sociedade…nós não merecemos ser estupradas apenas por vestir uma saia curta. Ou por vestir uma saia longa. Por não vestir roupa alguma. Por me cobrir dos pés a cabeça. Por apenas ser mulher e vestir qualquer tipo de roupa, não merecemos ser estupradas.
Por variadas vezes somos estigmatizadas como piriguetes, por irmos de roupa curta no funk,  forró,  samba, MPB ou  jazz. Somos penalizadas na vizinhança apenas por passar de short curto em frente ao boteco da esquina. Desde criança, porém, mal crescem nossos seios e os mesmos vizinhos já nos sexualizam, já nos chamam de gostosa.
Desde muito cedo, nos trancamos em nossos vestuários para não despertar a libido alheia. Como se fossemos culpada de um desejo grosseiro imposto por uma sociedade machista ou algozes de uma educação calcada na formação da sexualidade masculina.
Aos homens que veem em nossas roupas uma abertura à sua ignorância, avisamos: a roupa que vestimos nunca foi e jamais será um convite à invasão de nossa liberdade, de nossos corpos ou vidas. E isso, serve àqueles motoristas de ônibus que nos dão sorrisos só para ver a cor de nossas calcinhas por de baixo do vestido. Aos passageiros de trem que nos encoxam, porque acham que nossas roupas chamam a atenção.
Aos homens que gritam psiu de seus carros por achar que meu corpo passando na rua é mais uma de suas propriedades. Aos homens em baladas que acreditam que nosso corpo é uma forma de provar sua frágil masculinidade. Aos maridos, que acreditam serem donos do corpo de suas companheiras.
Aos homens que nos perseguem de carro, rondam nossos passos e, muitas vezes, apenas para causar terror. Aqueles que param ao nosso lado perguntando se queremos alguma carona. Aos que interrompem a escola das meninas e roubam suas infâncias. Aos maridos que sentem prazer em não dar prazer algum para suas parceiras. Aos homens que não aceitam os nãos de uma mulher. Aqueles que buscam enfraquecer nosso direito de escolha e diminuem nossa autoestima apontando nossa cor como algo que me reduz a situação de aceitar tudo.
Aqueles que usam e abusam de seu poder para legitimar o machismo. Não sou eu que tenho que mudar minha roupa, meu caminho, minha vida. Não sou eu que me faço merecedora ou não de seu comportamento e de sua atitude. Eu não mereço ser violentada. Eu não mereço ser estuprada. Nem eu e nenhuma mulher.