Estamos armadas de canetas e palavras

Foi numa noite de novembro, com meus 16 anos, vi minha favela tomada de policiais e helicópteros sobrevoando procurando por alguém, não sabia quem. Minutos antes sentia minha mão gelada como se algo ruim estivesse pra acontecer, mas não sabia o quê. Tensão tomou conta e ninguém mais andava na rua. Quase 22h e meu […]

Por Redação

26|06|2016

Alterado em 26|06|2016

Foi numa noite de novembro, com meus 16 anos, vi minha favela tomada de policiais e helicópteros sobrevoando procurando por alguém, não sabia quem. Minutos antes sentia minha mão gelada como se algo ruim estivesse pra acontecer, mas não sabia o quê.

Image

Halitane da Conceição Rocha


Tensão tomou conta e ninguém mais andava na rua. Quase 22h e meu pai estava prestes a sair do trabalho. Minha mãe ligou e pediu para ele dormir na empresa e ele disse que não precisava ter medo, viria vestindo o uniforme e o crachá no peito. Naquele momento, me perguntei “Por quê?”. Graças a Deus e aos orixás ele chegou bem.
Fiquei um tempo na janela, vi a correria dos policias nas vielas, até que eles encontraram dois rapazes na casa de alguém. Os arrastaram do final da rua até o outro lado de cá, mais próximo da minha casa, onde os postes estavam sem energias. Nada mais vi, apenas ouvia os gritos e choros desesperados de socorro que ecoavam toda a favela.
Passado alguns minutos, novamente os policias os arrastavam entre um pouco do escuro e da luz. Naquele momento foi possível ver eles fazendo um círculo e ouvi 2 tiros. Chorei! No dia seguinte descobri que um deles era um vizinho da minha idade (16 na época), que crescia comigo , nunca faria mal a ninguém, mas fizeram com ele. No outro dia, a nota da polícia “Suspeitos reagiram a abordagem…”.
Algo mudou em mim depois desse dia. Quem era eu para denunciar e dizer o que eu vi? Como denunciaria? Decidi de vez que estudaria para ser jornalista. Depois disso meus estudos me levaram a entender muito sobre o genocídios dos jovens negros, sobre o estado racista, o auto de resistência e a desigualdade. Hoje, no meu último ano da faculdade, tirei 10 no Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) sobre o Projeto de Redução da Idade Penal. Essa semana me senti realizada! Talvez eu não tenha salvado nenhuma vida, mas primeiramente estou salvando a minha e as pessoas em volta estão ouvindo a minha voz e lendo meu trabalho.
Leia aqui o artigo de Helitane na íntegra 
Meu artigo resgata o histórico de da falsa abolição até os dias de hoje, a relação atual da violência contra jovens negros e o encarceramento nas prisões e na Fundação Casa, falta de acesso à educação e dados que revelam o alvo da injustiça social. O alvo que tem cor e endereço, sempre o negro favelado.  Estamos armados usando as redes sociais, portando canetas, canetas, câmeras e gravadores!
Ubuntu = eu sou porque nós somos.

Halitane da Conceição Rocha, 20 anos, moro em Cotia-SP . Universitária e Estagiária de Comunicação Social – Jornalismo.  Filha de Iansã e Oxóssi, favelada e sonhadora.