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Espetáculo narra as revoltas populares pela perspectiva das mulheres

Dramaturga, atriz e produtora musical relatam experiências coletivas de palco e bastidores da peça “Uma Leitura dos Búzios"

Por Mariana Oliveira

13|01|2023

Alterado em 16|01|2023

Está em cartaz no Sesc Vila Mariana, região central de São Paulo (SP). A peça “Uma Leitura dos Búzios” foi desenvolvida como reflexão e memória ao bicentenário da independência do Brasil e é um relato profundo de histórias que foram invisibilizadas ao longo da história negra. Com elenco baiano e majoritariamente negro, o espetáculo é centrado em quatro narradoras principais, simbolizando as mulheres escravizadas que tinham pouca voz nas revoltas.

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Trecho de peça em que quatro líderes na Conjuração Baiana são enforcados

©Tiago Lima

Encabeçada pelo diretor teatral Marcio Meirelles, a ideia do projeto é promover uma reflexão contemporânea, a partir do levante popular baiano chamado de Conjuração Baiana, Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios. De modo a fortalecer a militância do povo negro ocultada ao longo dos anos, a apresentação também pretende desdramatizar a ideia de Independência apresentada em livros didáticos de História.

Quem vai ao teatro do Sesc Vila Mariana, assiste a um espetáculo que é uma narrativa musical e coreográfica com recursos audiovisuais. Além das revoltas, a peça apresenta o trabalho coletivo do levante popular para aproximar as discussões das revoltas ao contexto social atual.

O processo de desenvolvimento da peça foi desafiador, como relata Mônica Santana, responsável pela elaboração do texto. Mesmo sendo natural de Salvador (BA), ela pouco conhecia sobre as revoltas. “Não somente a Revolta dos Búzios, mas algumas chamadas de revoltas escravas que aconteceram no século 18 e 19. Ou mesmo as revoltas indígenas, são exemplos de resistência que a gente conhece muito pouco”.

Mônica conta que durante o desenvolvimento da peça, ela e todos os envolvidos tiveram o suporte de uma equipe de pesquisadores, que contaram sobre as revoltas e seus respectivos contextos. Além das aulas, a autora acrescentou seus 20 anos de experiência em teatro para colocar nos diálogos.

“O texto é uma produção de conhecimento que vai sendo costurada de forma interdisciplinar com todos os artistas. Eu vivo as questões do pensamento negro na história, isso já me dá um caldo. Quando chegaram os fatos históricos tudo se complementou”.

Ela enfatiza a necessidade de colocar mulheres negras como protagonistas, como “agentes e testemunhas da história do Brasil”. Essa representação também colocou maior pluralidade de pessoas no palco e bastidores. “Vivemos uma diversidade de corpos e experiências. São pessoas com mais de 40 anos de teatro e outras pela primeira vez no palco. No elenco, temos mulheres cis, mulheres trans, pessoas não binárias. A diversidade reflete a riqueza de nossa cultura e uma luta que é antiga e contemporânea ao mesmo tempo. Os anos se passaram, mas algumas agendas não. Ainda lutamos por melhores condições de trabalho, ou para que nossos corpos não sejam abatidos”.

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Cena do espetáculo “Uma Leitura dos Búzios”, em cartaz até 12 de fevereiro.

©Tiago Lima

Embora esteja em cartaz apenas em São Paulo, a regionalidade baiana é mantida com a escalação do elenco. “Essa construção foi o que mais fortaleceu”, afirma Jadsa Castro, responsável pela direção musical da peça. A produtora musical reforça a importância da coletividade abordada por Mônica, o que enriqueceu sua maneira de trabalhar. “Não tem como uma coisa ser boa fazendo sozinha. É preciso uma galera e, dessa vez, realmente foi com muita gente”.

A cantora e atriz Nara Couto, uma das narradoras, conta que o estilo de produção da peça, funcionou como um organismo único, compartilhando convivências com pessoas completamente diferentes e, ao mesmo tempo, parecidas. Essa proximidade e versatilidade do roteiro oportunizou que todos os envolvidos pudessem fazer um pouco de tudo. “No texto e músicas, visitamos todas as instâncias. Eu não toco na peça, mas sei cada parte e o que está acontecendo”, explica a cantora.

É unânime entre as artistas apontar como o trabalho coletivo fortalece essa narrativa do levante baiano iniciado no século 18.

“O resultado dessa potência vai para além do texto e da coreografia. São corpos que se juntaram em cena e os que não estão. A sensação que tenho é de ser a Nara de hoje que voltou no tempo, e está ali, narrando e reagindo àquele processo”, aponta.

Serviço:

A peça estreou em novembro de 2022 no Sesc da Vila Mariana, e fica em cartaz até 12 de fevereiro de 2023. Os ingressos custam de R$ 12 a R$ 40 e podem ser adquiridos online no site do Sesc, ou presencialmente na bilheteria do local.