Cantora e compositora baiana, Duquesa fala de processo criativo, início da carreira e novo EP. Confira!
Reportagem: Beatriz de Oliveira Fotografia: Kaliane Madureira
Publicado originalmente em Expresso na Perifa
Atualizado em 01|06|2022
O melhor de Duquesa ainda não chegou: a cantora sabe que será maior. Diz que está plantando agora para colher depois. Aos 22 anos, tem paciência com o tempo de cada processo. Na melancolia, encontra ideias para escrever e, ao expor situações que já viveu, conquista a identificação do público. Gosta de mensagens na lata, escrachadas. Muito da sua inspiração vem de músicas antigas. Já cantou com artistas que é fã e quer estender a mão para novas vozes, assim como fizeram por ela.
Dona de faixas que vão do R&B ao Trap, como “Diz”, “Para pra pensar” e “Versase”, a rapper começou sua carreira aos 15. Nascida e criada em Feira de Santana, na Bahia, hoje é uma das artistas da Boogie Naipe, produtora do Racionais Mc’s e Mano Brown (solo).
A baiana revela que deve lançar seu primeiro EP em julho deste ano. Intitulado “Sinto muito”, o nome carrega dois aspectos: a intensidade de sentimentos e o lamento. “Que pena, não posso ser diferente, eu sou isso aqui e sinto muito”, explica a cantora. As cinco faixas serão lançadas de trás pra frente e contam sobre fases de diferentes relacionamentos amorosos.
“Começa com aquele momento que a gente tá querendo ser outra pessoa para agradar alguém, depois passa para uma fase em que a gente tá pedindo para ser escolhida e quer ser a pessoa que é assumida, depois, quando a gente encontra o relacionamento feliz e não precisa ser ninguém além de você mesmo. Por fim, você se reencontra, como canto em é ‘Carta pra mim mesma’, que será a primeira faixa a ser lançada”, revela. Antes de compor e cantar as faixas, Duquesa viveu as situações descritas em cada uma delas.
O talento de Jeysa Ribeiro, seu nome de batismo, viralizou após a postagem de um vídeo cover da música “Viva”, do grupo Zimbra, em uma página no Facebook. Hoje, com mais de 600 mil visualizações, a jovem aparece sentada em uma cama e com um violão no colo. Enquanto canta, é possível ver que na parede branca ao seu lado está escrito “poesia”. Nos comentários, muitos elogios à sua voz e críticas por não ter tocado o violão.
Depois disso, um amigo beatmaker que a via cantando em casa a convidou para participar de uma música. Ele mandou o refrão e ela respondeu cantando em áudios no Whatsapp. Sua carreira artística começou assim, participando em uma faixa do grupo Sincronia Primordial, de Feira de Santana.
Em 2017, lançou sua primeira música: “Dois Mundos''. O videoclipe foi excluído do Youtube pelo canal que publicou, mas hoje está disponível no Vimeo. A segunda letra lançada foi “Futurista”, também com videoclipe.
Nos primeiros shows, passou por perrengues e se virava como podia para conseguir um figurino. “Eu pegava uma camisa e arrancava as mangas para um show, cortava no meio para fazer um cropped para ir em outro, para ninguém notar que era a mesma roupa. O mesmo sapato que ia pra escola, eu ia pra show”, conta, além de pegar roupas emprestadas de conhecidos.
Na época, a cantora não tinha contato com estúdios para fazer gravações e recursos para comprar equipamentos. Em eventos nos quais se apresentava, não havia suporte, camarim e nem comida. Ela ia até o local com dinheiro emprestado e, na mesma festa em que cantava, procurava por carona para voltar para casa.
Outra dificuldade do início é a falta de acesso que determinadas regiões sofrem. A cantora afirma que há muitos projetos musicais e incentivos que chegam à capital, Salvador, mas não alcançam a sua cidade. “Na minha terceira música eu ainda não entendia nada sobre distribuição, não sabia nem como colocar no Spotify. Essa questão de acesso me prejudicou muito e me prejudica até hoje, porque ainda estou aprendendo como lidar com a minha carreira de uma forma profissional”.
Eu me quebro em verso / Eu me viro do avesso / Quanto mais eu tropeço, mais viso os acertos / Eu invisto no certo, com erro eu aprendo
Trecho da música “Dois Mundos”, de Duquesa
Eu me quebro em verso / Eu me viro do avesso/ Quanto mais eu tropeço, mais viso os acertos / Eu invisto no certo, com erro eu aprendo
Trecho da música “Dois Mundos”, de Duquesa
Em meio a essas dificuldades, Duquesa pensou em desistir da carreira musical. Prestou vestibular e entrou no curso de Publicidade, no qual se formou. Nesse mesmo período, em 2019, um conhecido a chamou para gravar músicas, ela já tinha a letra de “Diz” completa e decidiu topar.
Com a faixa gravada, conversou com um amigo da faculdade que se interessou em produzir o videoclipe. Além disso, a baiana acionou o salão de beleza que frequentava e pediu para usar o espaço para a gravação, especialmente a banheira que forma o cenário e o clima do filme. Pegou roupas e perucas emprestadas, flores, toalhas de banho brancas, uma make de poder e fez da banheira que já não era usada por estar velha o ambiente ideal. Tudo isso coube em três minutos e 20 segundos. “Foi muito colaborativo”.
“Diz” é um recomeço também pelo estilo: foi sua primeira faixa em R&B. Antes disso, os sons estavam mais inclinados ao trap e ao boom bap. “‘Diz’ é uma música tão escrachada pra mim, de falar de sentimento de uma forma aberta. Eu falei sobre o meu relacionamento antigo que teve traição, foi abusivo e me fez muito mal, estava vivendo esse relacionamento quando lancei a música”.
Dado esse novo fôlego à carreira, Duquesa passou a lançar músicas em parceria com outros artistas, como Rincon Sapiência, Bivolt, Onnika e Yuki Vino. “Com o Rincon foi meio louco pra mim, porque eu ficava tentando entender qual era a vantagem que ele teria em gravar com uma pessoa que não tinha nada, pensando em mercado. Mas o Rincon gostou do meu trabalho e isso fez eu me valorizar também”. Hoje, ela entende que tem responsabilidade de apoiar novos talentos, assim como o rapper fez com ela.
Em outro momento importante de sua trajetória, a rapper foi chamada para cantar no lançamento do livro de Monique Evelle. Ao conversar com ela, contou que “queria ser a maior artista de R&B do Brasil”. Então, a empresária apresentou os sons da jovem para a produtora Boogie Naipe. Eles gostaram do que ouviram e fecharam contrato com a artista. “Eu fui para São Paulo do nada. Antes eu estava trabalhando em loja departamento, dobrando roupa”.
A partir disso, Duquesa conseguiu obter seu sustento apenas do trabalho com a música, além de ter mais tempo para fazer suas produções. A cantora já se apresentou ao lado de Mano Brown no Afropunk Festival em 2021. Para ela, a ocasião foi seu batismo no rap e mostrou para o público que ela existe.
Questionada sobre como vê a presença das mulheres na cena do rap atualmente ela diz:
“Hoje a gente está sendo muito mais ouvida, comentada e respeitada. Eu vejo, por exemplo, a Tasha & Tracie, tem vários caras que pagam pau pro trabalho delas (...) A gente tá começando a fazer as pessoas pensarem: ‘ela é artista’. Tem que parar com essas coisas de colocar rap feminino, trap feminino. Não existe isso, é trap e rap, sem divisão de gêneros, colocar isso como divisor é atrasado”.
O que tu pensa quando tá do meu lado? / Amor, sinto ódio, isso é tão estranho / Como eu consigo odiar o que eu amo? / Mas é que isso tudo já me tirou sono
Trecho da música “Diz”, de Duquesa
A artista encontra inspiração em músicas antigas de cantoras como Dolores Duran, que relatam situações cotidianas. Cita ainda como referências musicais os nomes: Alcione, Péricles, Marília Mendonça e Maria Bethânia. “Eu escuto de tudo um pouco”. Além disso, sempre gostou de ler poesia.
Em seu processo de compor, explica que vive a melancolia para conseguir falar sobre ela. Por um tempo viveu o que chamou de “vício de sofrer” e o sentimento foi transformado em música. “As minhas relações interferem muito na hora de compor. Eu tive relacionamentos ruins e hoje vivo um bom, mas é muito mais fácil falar do ruim. Fiquei tão viciada em falar do que não deu certo, que esqueço do que tá dando. Agora estou aprendendo a escrever também sobre as coisas boas que vivo”.
Vivências de outras pessoas também encontram espaço nas letras da cantora, que afirma que gosta de colecionar essas histórias. Sua intenção não é que o público sofra quando a escute, mas entende a importância de participar desses momentos. “Eu me via nessa situação de procurar um artista que falasse sobre o que eu estava vivendo e passar aquele momento escutando no fone e chorando. Agora sou essa pessoa que pesquisam para ouvir e chorar”, explica.
Duquesa costuma receber mensagens de fãs que viveram casos relatados nas músicas e algumas pedem até conselhos.
Com uma caminhada que ainda está no início, investe em acreditar que, em poucos anos, estará em um patamar mais consolidado e colherá os esforços que está plantando hoje. Desabafa que, por ter começado aos 15, se cobra muito. Ainda se vê como uma cantora inexperiente, mas reconhece o que já conquistou.
Na sua vida cotidiana e nos pensamentos para seu futuro profissional enxerga além da música: quer representar algo para as pessoas que convivem com ela. Duquesa quer “parar de ser só artista para ser um ícone".
Quantas ondas faltam pra gente se desfazer? / E foi mais de uma vez e já nem somos nós, amor / Mais de uma vez, me diga o que cê fez / A gente se desfez e só sobrou nossos lençóis
Trecho da música “Para pra pensar”, de Duquesa