Juliette, Emicida, AmaRelo, embranquecimento cultural

Embranquecimento cultural: a polêmica de Juliette e Emicida

Semelhanças entre “Magia Amarela” e “AmaRelo” levantaram a discussão sobre os limites entre inspiração e apropriação cultural.

Por Mariana Oliveira

26|10|2023

Alterado em 26|10|2023

Recentemente, um trabalho lançado por Juliette Freire, ex BBB e cantora, causou estranhamento pela semelhança com a obra de outro artista. O conceito artístico e a letra da música “Magia Amarela”, em parceria com Duda Beat, chamou a atenção pela semelhança estética com o álbum “AmarElo”, lançado pelo rapper Emicida em 2019.

Em nota oficial publicada pelo Lab Fantasma, gravadora musical comandada pelo cantor e o empresário Evandro Fióti, a empresa afirmou que, antes de chegar às ruas, a marca havia se aproximado para apresentar a proposta, mas não houve acordo.

“Fomos pegos de surpresa ao constatar que, ainda assim, seguiram com a estratégia e, pior, utilizaram muitos dos elementos que remetem ao experimento social “Amarelo”, sem qualquer diálogo ou autorização – e com a participação de outras artistas”, informa a nota.

Apropriação cultural

Apesar do recente burburinho envolvendo os artistas, casos semelhantes acontecem há anos. No último mês, viralizou nas redes sociais um vídeo com jovens dançando ao som da cantora norte-americana Taylor Swift na Pedra do Sal, no Rio de Janeiro. O espaço é um símbolo histórico e religioso para a população negra brasileira, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, e conhecido por concentrar a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal.

Ciça Pereira, produtora artística e cultural, acredita que o processo de embranquecimento é histórico e recorrente desde a colonização. “Existe um termo chamado aculturação, que significa desconstruir a identidade e a narrativa pessoal, de vivência e valores civilizatórios de um povo. A branquitude direciona a cultura e o mercado porque é herdeira do processo colonial”, contextualiza.

A profissional explica que o uso de referências pode resultar na reprodução ou releitura de conceitos artísticos de modo a ressignificá-los. “Beyoncé faz isso muito bem, no trabalho dela há várias referências a Donna Summer, entre outras divas do soul. Reconhecemos as referências, mas também trabalha uma narrativa nova a partir dela”, exemplifica.

No hip hop, existe uma perspectiva do respeito. Alguns artistas citam frases de outros em suas músicas, ou parafraseiam, pegam o que foi dito e transmutam em outras palavras.

Já o plágio define-se pela cópia integral de uma produção, na qual o artista não credita a obra original. Para a produtora, pequenos artistas que sofrem com plágios não têm força para comprová-lo. “É muito comum pela falta de acesso à informação, mecanismo que facilita esses abusos do mercado, muitos artistas não terem conhecimento sobre direitos autorais. E, quando se analisa o histórico da música preta brasileira, nos deparamos com artistas de sucesso que morrem pobres por não terem seus direitos garantidos ou apropriados”, diz.

Após a repercussão do caso, internautas lançaram uma série de comparações entre trabalhos contemporâneos que referenciam outras produções. Um exemplo é o álbum “Inocente ‘Demotape’” (2023), lançado por Djonga, que reproduz a capa do disco “Perfect Angel” (1974) da cantora Minnie Riperton.

Juliette, Emicida, AmaRelo, embranquecimento cultural

Álbum da cantora Minnie Riperton serviu de inspiração para o lançamento do rapper Djonga.

©Internet

“É uma referência porque existe um conceito em que ele canta musicalidades totalmente diferentes da original. No caso de “AmaRelo” o conceito é o mesmo, não se trata de nenhuma referência ou homenagem, é o mesmo conceito. Então, é uma cópia”, finaliza.

Emicida e Evandro Fióti entraram com um processo de plágio contra a marca, a campanha publicitária foi cancelada e a música retirada do ar.