Eleições 2022: quem protege as travestis eleitas?

Em sua coluna de estreia, a advogada Victória Dandara discute como a eleição de travestis no Congresso Nacional pode significar uma verdadeira ameaça não só a Bolsonaro, mas ao bolsonarismo.

13|10|2022

- Alterado em 25|10|2022

Por Redação

Estamos em mês de eleições em plena disputa pelo segundo turno. Como faz parte de nossa cultura dar demasiada atenção aos cargos executivos – até pelo cenário político tenebroso e acirrado que enfrentamos hoje – é muito comum “esquecermos” as cadeiras do legislativo que acabamos de eleger.

É fato que a vitória de Lula é URGENTE para nosso povo, para a favela, para as casas lideradas por mães solo, para as populações negra e LGBT, para os povos indígenas e até para a sobrevivência do planeta.

No entanto, o resultado do segundo turno e a derrota de Bolsonaro não aniquilam o projeto político que o bolsonarismo representa,  muito mais profundo e impregnado em nossa sociedade.

Elegemos um legislativo majoritariamente masculino, branco e cisgênero. Porém, não vim trazer desesperança ou apenas lamentar. Até porque, na minha fé, não acreditamos nesta ética de lamentação. Do contrário, partimos de uma premissa de celebração. No último dia 2 de outubro, para além do terror e tristeza de vermos que o apoio a Bolsonaro e à ideologia que ele representa permanecem vivos apesar dos 700.000 mortos num projeto genocida de (anti)gestão da pandemia, fomos presenteadas enquanto nação com a eleição das duas primeiras travestis ao Congresso Nacional, sendo elas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). 

Em mais de 30 anos de regime democrático, bem como nos 522 anos de invasão deste território, nunca antes pudemos contar com travestis (ou quaisquer pessoas trans) nestes espaços de poder legislativo a nível nacional.

Este movimento de ocupação transvestigênere na política institucional tem se dado fortemente a partir de 2020, com a eleição record de 30 parlamentares por todo o Brasil. No entanto, é sempre importante lembrarmos das mais velhas que nos abriram caminho, e por isso, é fundamental saudarmos a imagem de Kátia Tapety, a primeira travesti negra eleita para um cargo legislativo no Brasil, como vereadora do município de Colônia do Piauí em 1992. 

Termos travestis nos representando em Brasília não é só uma conquista para a população trans ou a comunidade LGBT. Erika Hilton, por exemplo, encabeça pautas como a luta contra a fome e pelos direitos do povo negro. Já Duda Salabert traz como elemento central a questão ecológica e de defesa da fauna e flora nacionais. O fato é: a ocupação de travestis no poder constrói uma sociedade melhor para todo mundo. Trata-se de um novo marco civilizatório em caminho à verdadeira refundação deste país.

Com travestis, mulheres negras, mulheres indígenas e suas mais diversas pluralidades, representaremos uma verdadeira ameaça não só a Bolsonaro, mas ao bolsonarismo.

Não à toa, a principal bandeira que eles carregam é a luta contra a “ideologia de gênero”, que nada mais é do que a perseguição institucional aos direitos de travestis e transexuais. Porém, é exatamente por isso que devemos celebrar. Esta ideologia nefasta, de morte, discriminação e ódio nos teme. E apesar de seguir forte ainda hoje, está com os dias contados e em vias de ser extinta de vez. Então, trago a indagação que deve estar viva em nossa mente nos próximos quatro anos, independente dos resultados no dia 30 de outubro: quem protege as travestis eleitas? Se a presença delas representa a maior ameaça hoje ao bolsonarismo, não é difícil entender a razão pela qual hoje temos parlamentares como Benny Briolly (PSOL-RJ) tendo que deixar o país por ameaças de morte. É importante seguir com esperança no mundo melhor que estamos construindo, porém, com “responsabilidade afetiva”, como gosta de dizer a ativista Neon Cunha, para com as nossas que têm coragem de expor seus corpos em prol de um projeto político de transformação. 

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Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

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Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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