'Me fez amadurecer': jovens periféricas e a gravidez na adolescência

“Ela me fez amadurecer”: mãe relata sua gravidez na adolescência

Grazielle Silva conta sua experiência de se tornar mãe jovem e especialistas explicam as dificuldades enfrentadas durante a gravidez na adolescência

Por Beatriz de Oliveira

29|03|2022

Alterado em 07|04|2022

Grazielle Silva, assistente administrativa, se define como uma menina reservada desde a infância. O primeiro grupo de amigas foi apenas aos 15, quando começou a sair à noite para se divertir. Num desses rolês, já aos 18, conheceu um garoto. Começaram a namorar, sem o conhecimento de sua família, tampouco da dele.

O que Grazi sabia é que ele morava na Bahia e se mudou para São Paulo, onde alguns de seus parentes moravam. Após sete meses de relacionamento, engravidou. “Pra mim foi um grande susto, eu não estava esperando, eu imaginava que iria demorar muito pra eu ter filhos”.

“Eu só pensava em como eu iria contar pros meus pais”

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Grazielle contou com o apoio da família para cuidar da filha.

©arquivo pessoal

Mesmo passando mal, Grazi não desconfiou logo de primeira que pudesse estar grávida. Chegou a tomar remédio para o estômago achando que algo que comeu havia causado enjoo. Depois, acompanhada de uma amiga, fez um teste rápido de gravidez, deu negativo. Ficou aliviada.

Mas continuou passando mal e resolveu realizar um exame de sangue, dessa vez a irmã a acompanhou. Quando a médica informou o resultado positivo, Grazi riu de nervoso. “Na hora eu só pensava em como eu iria contar para os meus pais, qual seria a reação deles, o que eu iria fazer dali pra frente. Fiquei em choque”, conta.

Chegando em casa, conversou com ambos. “Os dois choraram bastante, talvez seja pela dificuldade que seria, até porque eu dependia deles”.

“Ele dizia que não tinha condições de ter filho agora”

Com três meses de gravidez e já sabendo que seria mãe de uma menina, Grazi deu a notícia para o pai da criança. “No momento em que eu contei pra ele eu não tive apoio nenhum, ele dizia repetidamente que não tinha condições de ter filho agora”.

Ele revelou que já tinha duas filhas e a reação de Grazi foi romper com o relacionamento e dizer que iria cuidar da filha sozinha. Como resposta, o rapaz disse que voltaria para a Bahia e não demonstrou interesse em saber mais sobre a gravidez.

Sem o pai da criança, contou com o apoio da família. “Nesse período a mulher se sente rejeitada, sozinha, e isso de fato aconteceu comigo porque eu já estava com essa carga de que eu teria que criar um filho sem o apoio do genitor dela, minha família fez uma grande diferença”, diz.

“Ela me fez amadurecer”

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Grazielle, de 33 anos, e sua filha Gabrielle, de 14

©arquivo pessoal

Nascida de parto normal, a criança recebeu o nome de Gabrielli, Ao segurá-la, Grazi prometeu para si mesma não deixar faltar nada para a filha. “Ela me fez amadurecer bastante”.

Os primeiros meses foram frustrantes, já que “não tinha a mínima ideia de como cuidar de um bebê”. Mas teve ajuda da mãe e da avó. Quando a bebê completou três meses, o pai a conheceu, registrou e começou a pagar pensão.

“Hoje eu tenho uma melhor amiga, o nome dela é Gabrielli e vai completar 15 anos no dia 11 de agosto”, comemora.

Mulheres negras são maior número nos casos de gravidez na adolescência

Em 2020, nasceram 380,7 mil filhos de mães com idade entre 10 e 19 anos, segundo dados preliminares do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. O número de adolescentes grávidas tem diminuído: entre 2000 e 2019 houve queda de 37,2%, segundo estudo da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)

“Olhando os dados de uma maneira macro, a gente vai perceber um decréscimo no número de adolescentes grávidas, mas quando a gente olha as periferias, esses números vão sofrer pouca alteração”, aponta Elaine Amazonas, assistente social e gerente da unidade da Plan International Brasil na Bahia, organização que defende os direitos das crianças e adolescentes, com foco na promoção de igualdade de gênero.

São as adolescentes negras a maioria no panorama de gravidez na adolescência em 70% dos casos, segundo dados de 2014 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

“A gente vai ter uma série de atravessamentos que vão de alguma forma contribuir de maneira mais incisiva para que as adolescentes negras engravidem”, afirma Elaine. Os fatores, segundo ela, passam pela educação pública, em que as jovens negras estão em maior número, que não contempla a educação sexual e reprodutiva. Passam também pelo não conhecimento do próprio corpo e falta de trabalho com a autoestima, o que diante de uma sociedade racista e sexista a impossibilita de dizer “não” e exigir o uso de camisinha durante o ato sexual, por exemplo. 

A ginecologista e obstetra Andrea Gonçalves, que realiza atendimentos em São Paulo (SP) e Nitéroi (RJ) e estuda a saúde da mulher negra, ressalta também a violência sexual e a falta de informação: “Quanto menor o nível socioeconômico, menos acesso à informação de qualidade e informação em saúde essa adolescente tem”. 

Educação sexual como caminho para lidar com o próprio corpo

O receio de contar para os pais é comum entre as adolescentes grávidas. Andrea conta que já atendeu muitas meninas que demoraram meses para dar a notícia e iniciar o pré-natal. Para a médica, é necessário que a sociedade fale mais sobre esse assunto, para que as meninas não tenham medo de buscar atendimento.

Parte desse medo vem também dos julgamentos que a adolescente grávida recebe. “Socialmente a adolescente que engravida ainda é o mau exemplo, mesmo que haja várias outras adolescentes na comunidade que tenham engravidado, mas ela ainda é muito estigmatizada”, diz Elaine Amazonas.

Para combater essa estigmatização, um caminho viável é a educação sexual, com informações básicas, permitindo que as jovens tenham conhecimento para lidar com o próprio corpo. “Eu já fiz o parto de uma menina que me perguntou se ela tinha dois úteros e um ovário, ou se era o contrário”, revela Andrea Menezes. “São coisas que a gente precisa falar antes dessa menina estar ali para ter um bebê”.

A educação sexual, conforme explica Elaine, permite que os adolescentes se entendam enquanto sujeitos e tomem decisões mais assertivas sobre o futuro. Possibilita também que se discuta o papel social dos homens e das mulheres, uma paternidade responsável e respeito às mulheres.

Para a assistente social, vivemos um momento triste, com a exclusão da palavra gênero da Base Nacional Comum Curricular e o mito de ideologia de gênero. “Se a gente não consegue conversar sobre gênero, como é que a gente vai conseguir pensar em educação sexual reprodutiva?”, questiona.

A falta de informação evoca também outra questão de saúde pública: as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). “Muitas vezes essa gravidez vem acompanhada de diagnóstico de IST, como HIV e sífilis, que cresce muito na mulher jovem. Eu já tive muitas vezes que dar notícia para adolescentes de 15 e 16 anos que ela tinha HIV ou que está com sífilis”, relata Andrea.

Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, do Ministério da saúde, indicou que entre 2000 e junho de 2021 foram notificadas 141.025 gestantes infectadas com HIV. Com maior número de casos na faixa etária entre 20 e 24 anos.

A “escolha” pela gravidez 

Durante a gestação, a adolescente periférica pode ter dificuldade de acesso aos serviços de saúde necessários. A médica Andrea afirma que apesar dos méritos do SUS (Sistema Único de Saúde), existem problemas estruturais.

“Nem toda adolescente vai ser encaminhada para o serviço de alto risco com a velocidade necessária ou vai ter acesso rapidamente a todos os exames que ela necessita”.

Vale mencionar ainda mais uma questão que permeia o cenário de gravidez precoce no Brasil: o desejo de engravidar cedo, que, inserido num contexto cultural, está relacionada à conquista de independência. “No sentido de que o ser mãe também me dá um lugar no mundo, então eu não sou mais só aquela aquela adolescente, eu sou mãe de fulaninho”, explica Elaine.

A “escolha” pela gravidez por vezes se relaciona com o casamento infantil. “Às vezes, a menina quer se inserir em um outra estrutura de poder no território através do casamento e isso pode ser incentivado pela própria família”, afirma Andrea.

O casamento infantil é a união formal ou informal de um casal em que ao menos um dos cônjuges tenha menos de 18 anos. Segundo pesquisa “Tirando o Véu” de 2019, da Plan Internacional, o Brasil é o quarto país do mundo, em números absolutos, com maior quantidade de casamentos de meninas.

Evasão escolar como consequência da gravidez na adolescência

Não é regra que adolescentes tenham apoio familiar na criação dos filhos, e aliado a falta de políticas públicas, isso gera consequências como a evasão escolar. O abandono, por sua vez, pode significar menores chances de evolução socioeconômica e inserção na estatística dos “nem-nem” – população jovem que não estuda e não trabalha – ou em postos de trabalhos precários, perpetuando ciclos de pobreza.

Com relação ao panorama nacional, Andrea afirma: “sendo as mulheres a maior parcela da população brasileira, não tem cabimento a gente falar em evolução socioeconômica do país sem falar da diminuição da gravidez na adolescência e da proteção da saúde reprodutiva dessas meninas”.