É solitário vestir a capa (in)visível da Mulher Maravilha

Bianca Pedrina: "Usar a capa da Mulher Maravilha pode te dar poderes, mas no fundo é solitário".

25|03|2022

- Alterado em 28|03|2022

Por Redação

Eu acreditava que havia feito as pazes com a solidão quando a pandemia se instaurou no Brasil e me obrigou a viver comigo mesma. Este processo estava sendo maturado um pouco antes, quando decidi me separar, morar sozinha e buscar a autonomia e independência que não me pertenciam.

O nó de não saber quem de fato eu era sozinha, desatou depois de um ano vivendo só eu comigo mesma. Descobri quem era a Bianca e tive que encarar o pior e o melhor de mim.

Por mais que eu estivesse me sentido sozinha, estava em negação sobre minha solidão. Ao contrário disso, de me reconhecer só, me mostrei forte e sempre busquei ser ombro de alguém. Percebi que cuidar dos outros me desprendia do sentimento de vazio que eu sempre queria preencher.

Tentava suprir esta lacuna de várias formas possíveis, com atividades físicas, encontro com amigos, relações afetivas passageiras, mas ao final do dia só sentia o cansaço de tapar um buraco em vão.

Decidi adotar um cachorro, o Fred. O objetivo era cuidar e tirar o foco da angústia que não parava de me rondar. Deu certo até eu me acostumar e novamente ter que encarar minha solidão no espelho.

Entendi, nestes anos de embates internos, que sou relacional e preciso do outro. Aprendi que minha autonomia e independência só eram possíveis por meio da troca, mas para isso seria preciso me despir da roupa da mulher-maravilha. 

Minha dificuldade em me mostrar frágil é fruto da cadeia estrutural que sempre me colocou nesse lugar. Me protegi tanto que aprendi a fingir que não existia. Quando quis pedir ajuda, não tinha ninguém ali para me acolher. Não porque as pessoas não quisessem, mas eu desaprendi o caminho de ser acolhida.

Na minha cabeça, reconhecer minha solidão feria meu processo de emancipação. Mas entendi que a autossuficiência e emancipação tem muito de solidão. Você briga tanto por este lugar de dar conta de tudo sozinha, que tem uma falsa impressão de liberdade. Na realidade, é uma prisão em si mesma.

Me dei conta disso quando me perguntavam como eu estava e eu sempre respondia que “bem”, mesmo sangrando por dentro e sentido vontade chorar. Mesmo tendo pessoas ao meu redor, ser honesta e dizer que precisa de colo me parecia fraqueza, afinal, as demandas dos outros sempre pareciam mais importantes.

Tenho pensando em como eu construí a fortaleza que também é importante para minha sobrevivência, mas cansei de me mostrar forte o tempo todo. Afastei tudo que entendia ser sinônimo de fragilidade, e este movimento me afastou de mim.

Entendo que a solitude é um sentimento saudável de reclusão para entrar em contato consigo e é uma escolha pessoal e se sentir bem com ela. Para mim, essa sensação me parece pote de ouro do outro lado do arco-íris, por entendê-la como utopia. Uma meta inalcançável.

Talvez o primeiro passo seja me reconhecer só e verbalizar  minha solidão. Entender que se sentir só, às vezes, é uma escolha inconsciente minha, pelo fato de eu ter desaprendido a pedir colo, mãos e ombros para seguir.

Admiro quem tenha conseguido viver a solitude, mas, por enquanto, eu tento apenas fazer as pazes com minha fragilidade misturada com minha solidão.


Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.