Sexualidade, infância, educação

‘Discutir educação sexual na infância é garantir o autoamor’

Elânia Francisca, coordenadora do espaço Puberê explica a importância de discutir educação em sexualidade para além da violência.

Por Mariana Oliveira

06|07|2022

Alterado em 06|07|2022

Falar sobre educação em sexualidade ainda é considerado tabu em nossa sociedade, principalmente durante a infância. Ao chegar na fase adulta o medo em ensinar e a falta de informação correta são protagonistas de nossas ações.

Ao contrário do disseminado, educação em sexualidade não é para falar de sexo, mas um processo educativo proposto para discutir o corpo. Como o autoamor pela perspectiva trabalhada por Bell Hooks (Tudo Sobre o Amor), o autocuidado, a autoproteção, o respeito ao próprio corpo e aos outros, o desenvolvimento e elementos da puberdade.

Elânia Francisca Lima é psicóloga e educadora de gênero e sexualidade, ao Nós, mulheres da periferia, desmistificou algumas dúvidas sobre educação em sexualidade e contou a importância de discutir a temática em casa e na escola de forma ampla e sincera. Ela acredita que o tema é tratado como tabu, pois a sexualidade fala sobre corpo e prazer, não estritamente o sexual, mas de ser quem é e se autoproteger.

Coordenadora no espaço Puberê, local que presta consultoria sobre saúde e sexualidade infanto-juvenil, Elânia iniciou suas pesquisas na área a partir de sua própria vivência.

“Sou uma mulher preta, periférica, LGBT, adulta. Na infância e na adolescência não tive quase nenhuma informação sobre sexualidade. Tudo o que descobri sobre foi por experimentação. Com isso, fui vivendo uma série de violências e associando como minha culpa”.

Quando o tabu não protagoniza o tema, tendemos retratar a sexualidade para crianças e adolescentes baseados na violência. ”Um dos desdobramentos é a prevenção a violência, porque uma menina, um menino ou um menine que sabe do próprio corpo vai entender que aquele toque não é legal, quem são os adultos que ela pode contar, os serviços existentes para se prevenir e identificar o que é saudável para ela”.

Em seu trabalho discursa para todos os públicos, priorizando o recorte de realidades periféricas, raça e classe. Com este tipo de educação e o discurso interseccional, abrimos caminhos para que crianças e suas diversas realidades não passem por violências.

A dificuldade em falar abertamente sobre o assunto está associada ao fato de os adultos de hoje não terem conhecimento científico e maduro necessário para ensinar. Precisam de referências para trabalhar com crianças e adolescentes. Essa falta faz com que facilmente acreditem em fake news, como o kit gay.

O principal ponto defendido pela psicóloga para trabalhar a educação em sexualidade é o tempo, porém, meninas periféricas são levadas desde cedo a focar no trabalho doméstico, cuidar dos irmãos ou de outras pessoas. “Precisamos garantir que as meninas, meninos e menines tenham tempo para garantir reflexão, escuta, olhar crítico sobre a sociedade”, diz.

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Oficina de Educação em sexualidade para meninas e mulheres © Espaço Puberê

Oficina de Educação em sexualidade para meninas e mulheres © Espaço Puberê

Oficina de Educação em sexualidade para meninas e mulheres © Espaço Puberê

Oficina de Educação em sexualidade para meninas e mulheres © Espaço Puberê

Outro aspecto a ser trabalhado é a afetividade em adolescentes negras.

“A gente entende que a afetividade está no campo da saúde mental, no campo do desejo. Mas, a saúde mental é parte do corpo, e um corpo deprimido não tem prazer de estar no mundo”.

A terapeuta afirma que as principais formas de discutir e ensinar educação sexual para crianças é inicialmente pela família, dentro de casa. Em contrapartida, são necessárias aliadas como educação em direitos humanos, escola e gestão de políticas públicas para garantir que se percebam enquanto sujeitos com garantia de direitos e ao próprio corpo.

Quando começar essa discussão em casa?

O fundamental é se preparar ao descobrir que terá um bebê, sobrinho, ou ao iniciar o processo de adoção.

“Nasceu um bebê, nasceu nosso compromisso com a educação em sexualidade”.

Assim, devemos criar repertório de informações reais e científicas. “Vivência também é ciência”.

Elânia acrescenta que pequenas atitudes como pedir licença antes trocar a fralda do bebê, , faz com que ele compreenda que, para tocá-lo é necessário a própria permissão, gera empoderamento e desenvolve a possibilidade de autocuidado.

Naturalizar a palavra sexualidade em casa faz com que as crianças conheçam, nomeiem e amem o próprio corpo.

“Testa, nariz, boca são coisas que falamos naturalmente. Então anus, vulva, pênis podemos falar naturalmente com a criança”.

É importante ser mais objetivo possível e não subestimar o poder da criança de compreender a ciência, utilize recursos como livros ou vídeos educativos para auxiliar.