De Taboão da Serra para Dublin “Limpo a casa, passo roupa, dou comida para os cachorros”, por Thainar Nascimento

Thainar Nascimento, 24, publicitária, saiu do município de Taboão da Serra,  região metropolitana de São Paulo e partiu para Dublin, onde trabalha como au pair. Leia seu relato na íntegra.  Leia aqui o especial “Da periferia de SP para a Irlanda: desafios das babás brasileiras em Dublin” Sentada na poltrona do avião, do meu lado direito […]

Por Redação

01|03|2016

Alterado em 01|03|2016

Thainar Nascimento, 24, publicitária, saiu do município de Taboão da Serra,  região metropolitana de São Paulo e partiu para Dublin, onde trabalha como au pair. Leia seu relato na íntegra. 
Leia aqui o especial “Da periferia de SP para a Irlanda: desafios das babás brasileiras em Dublin”
Sentada na poltrona do avião, do meu lado direito estava Gabriela, minha amiga, que aceitou dividir comigo as loucuras de um intercâmbio. Naquele momento, pensei em tanta coisa. Lembrei-me de quando aquilo era apenas um projeto, quando eu apenas pesquisava informações. Muitas vezes, desanimava sobre o assunto, voltava a pesquisar animadíssima e desanimava de novo. Muito desse desânimo se dava por conta da grana. Não tinha grana para isso. Deixava pra lá. Não conseguiria, pensava.

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Thainar em Cliffs of Moher, Irlanda| Arquivo pessoal


Tempos depois, com o incentivo da Gabriela, voltei a pensar no assunto com mais “garra”, mesmo sabendo que iria ser difícil. Contei para meus pais, primeiramente. Mas, ao contrário do que se imagina, a notícia não foi  bem recebida, me disseram coisas que eu ainda me recordo muito bem. Entre todas as frases ditas, lembro de algumas, como  “Você não tem o que fazer? Vai fazer o quê lá? Você tá andando com muita gente que pode, tá achando que pode também!”.
Meu pai foi enfático. “Eu não concordo. Não me peça um real”. Meu irmão sentou na minha frente e disse “Affff, mano, você é “trouxa”, né? Vai fazer alguma coisa que preste com esse dinheiro, vai gastar essa grana toda para se dar ao luxo de viajar, otária. Por isso que você não tem nada”. Ouvi todas. Fiquei com tanta raiva que chorei, sou ruim de chorar, mas chorei.
Enfim, não desisti. Aos poucos, consegui trazer minha mãe para o meu “time” e, acredite, faz total diferença. Contei ao restante da família e os amigos e a primeira coisa que eu ouvi foi ” Vixe, fia, pretinha assim igual a você, vai arrumar um gringo fácil”.  Ouvi isso muitas vezes.  Apenas respondia  “Não estou procurando marido” e minha resposta era rebatida com um “Deixa de ser idiota, arruma um alemãozão, que eles gostam de pretinha e vai morar na Europa, vai fazer o quê aqui?”. Tem coisas na vida que é melhor nem responder! 

Cheguei na Irlanda e meus primeiros momentos foram estranhos!  Ainda com aquela sensação de “não acredito que estou aqui” já me deram o primeiro “balde de realidade Irish ( como se chamam os Irlandeses em inglês). Me falaram para correr para achar uma casa, já que eu tinha apenas uma semana de hospedagem em hostel e que era muito difícil achar um lugar. Difícil é, mas tem horas que é desumano. Eu me lembro de gente fazendo entrevista, isso mesmo, ENTREVISTA, como  “o que você gosta de fazer?”. Ri, me limitei a isso. E no meu caso era mais difícil ainda, éramos eu e a Gabriela. Vimos cada pulgueiro! Senhor! E cada pulgueiro caro. Mas achamos nossa casa! Como nada é perfeito, era ao lado da Nanolândia. Sim, nós batizamos disto porque ‘os manos do mal’ aqui são chamados de Nackers, por isso Nanolândia, pronto, passávamos na rua “com um quente e dois fervendo”, com medo de levar ovada, ser agredida, xingadas, roubadas, etc. 

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crédito: arquivo pessoal


Meses se foram e o dinheiro também, com coisas que até hoje eu não sei explicar. Fui a algumas baladas e numa delas meti a mão na cara de um cara, porque ele achou que eu estava dando sopa ali e que poderia, sem permissão, meter a mão na minha bunda, errou na escolha. Cresci entrando em rodinha de menino brigando, porque via meu irmão no meio, caia pra dentro, imagine se eu iria para casa com aquele tapa ‘cravado’ no meu bumbum? Jamais! “Você é do Brasil, né”? ou “brasileira”? Coisas que eu não aguento mais responder. Sério, Suspiro forte! É nítida a malícia dos caras e é mais nítida ainda minha cara de “bunda”.
E essa cara de bunda é constante na balada, meu cabelo black chama a atenção. Mas isso não é o maior problema, pelo contrário, pois o que é bonito é para se mostrar, sou dessa filosofia. O problema é quando começam a querer pegar nos meus fios. Cara, qual é a mulher que gosta disso? E não é só um… Passam a mão nele como se ele fosse coisa de outro mundo, emendando por um. “Oh My God, it’s so soft”. VAI SE FERRAR, só porque meu cabelo é crespo que tem que ser duro? Feio? Cheirar mal? Não tenho paciência mesmo. Como diria Racionais Mc’s  “Olhando pra cá curiosos, é lógico, não, não é não, não é o zoológico”. Não sou bicho, entendo que eu seja diferente aqui, mas virar atração turística, não dá. Façaa me um favor, volte outro dia (rs). 
Pronto, quatro meses de intercâmbio, então  fui atrás de emprego. Entreguei panfleto de casa em casa, oferecendo serviços de cleaner (limpeza em geral). Sou cleaner também, aos sábados. Passei alguns fins de semana sem sair do quarto mandando currículo até para o inferno. Em meio a isso tudo, me candidatei a vagas de Au Pair (meu atual emprego), achei. Sabia que seria complicado, mas eu não sabia o quanto. Foi a primeira vez que chorei em um emprego. Ganho pouco por semana (120 euros), para cuidar de três pré- adolescentes e uma criança. Dois deles intercalam entre em me deixar “louca”. Atualmente, a relação melhorou, pois aprendi a me impôr.
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Limpo a casa, passo roupa, faço o jantar das crianças, brinco com elas depois do jantar, dou comida para os cachorros e quando não está bom, os pais saem e me deixam como baby-sitter. Só deixam trabalho, porque dinheiro que é bom, nada (ganho 120 euros por semana). Agora estou aqui, sobrevivendo todos os dias, não tem absolutamente ninguém para conversar, moro em um vilarejo onde nada acontece e não se tem nada para fazer. Espero ansiosamente pelos fins de semana, onde vejo os amigos, assim não me sinto tão inútil.
Quem me conhece sabe que eu gosto de falar e ver a língua me impedindo de ser quem eu sou, me mata! Por mais que os pais sejam incríveis, mesmo com tudo dito antes, eles me tratam bem ( ainda bem, né), converso muito com eles e principalmente o pai, que me incentiva em vários aspectos da vida, às vezes dá broncas sutis, como “você tem que se planejar para conseguir o que quer”. Estou aprendendo a me planejar, eu acho, aos poucos. Mas eles não são meus pais, não são minha família.
Me sinto sozinha muitas vezes e faço o milagre da multiplicação com meu salário. Mas prometi para mim mesma que só saio daqui depois de conquistar tudo que eu quero. A Irlanda me trouxe outra forma de olhar para a vida, eu acho que agora sou menos medrosa, menos preguiçosa ( antes eu me recusava a trabalhar de fim de semana, como se eu pudesse).
Aqui, eu trabalho qualquer dia em horários flexíveis, aprendi dar muito mais valor à minha cultura, disso eu não reclamo. Não saí do país alienada da vida, só reclamando e blá blá blá, sempre tive consciência e posicionamento social, sei de onde eu vim e me orgulho muito disso. Talvez, eu sirva de exemplo para alguém que eu nem imagine ou não.  Mas isso aconteceu porque eu fui corajosa. Eu jamais passaria por isso se nunca tivesse insistido e, às vezes, insistir é a palavra-chave da vida.
Esta crônica faz parte da série “Da periferia de SP para a Irlanda: desafios das babás brasileiras em Dublin”