“Diálogos de busão”: machismo x democracia
Eu estava sentada em um desses bancos altos que criança adora. Ao meu lado e na mesma altura, divididos pelo corredor, estava um homem. Nos bancos da frente de nós dois e, ao meu lado, haviam mulheres sentadas. Falo desses bancos em que as pessoas se sentam de frente uma para as outras. Eu estou […]
Por Semayat S. Oliveira
19|07|2016
Alterado em 19|07|2016
Eu estava sentada em um desses bancos altos que criança adora. Ao meu lado e na mesma altura, divididos pelo corredor, estava um homem. Nos bancos da frente de nós dois e, ao meu lado, haviam mulheres sentadas. Falo desses bancos em que as pessoas se sentam de frente uma para as outras.
Linha 5178/10, que faz o trajeto Jd. miriam – Pca João Mendes – Jd Miriam | Divulgação
Eu estou lendo sobre ou cortiços do Uruguai e sobre os bairros afrouruguaios, me preparando pra contextualizar a entrevista de uma mulher uruguaia que entrevistei em janeiro, a Nuria. E tem muita violência na historia dela. Eu estava imersa, mas desconcentrei. Percebi que o homem que disse acima balançava a perna rapidamente e estava com o rosto vermelho, de raiva mesmo. Ai o telefone dele tocou e ele respondia muito alto:
– Minha bateria está acabando, to na Cupecê ainda! Avisa pra essa vagabunda me esperar ai e que se ela for na delegacia eu MATO ela, mando ela pro inferno!
Eu e as outras mulheres nos entreolhamos. E foi inevitável não sentir a tensão que se instalou. Minha garganta fez um nó, depois eu senti ânsia e uma das mulheres me olhou inconformada. O silencio se fez como parede e só ele falava.
Ele continuou ao telefone, gritando:
– Ela vai? Pede pra ela esperar! Fala pra essa vagabunda esperar! Como ela vai provar que eu invadi a casa? Com nóia? Que policia dá valor pra nóia? Não dá valor nenhum. Não tem como provar! Fala pra ela não ir a delegacia!!! Eu estou chegando!
Ele ficou mais alguns minutos ao telefone e eu já não lia nada. As mulheres estavam tensas como eu e, quando ele desligou, meu ponto chegaria nos segundos seguintes. Eu precisava dizer algo, meu estômago doía. E o silêncio permanecia como uma parede. Sentei com as pernas viradas para o corredor, na direção dele, e tudo que eu disse foi:
– Você não deveria se sentir confortável em xingar uma mulher de vagabunda e gritar que vai mata-la dentro de um coletivo. Percebeu quantas mulheres estão ao seu redor?
– Tem mulher que é um lixo e merece o inferno.
– Eu não quero saber! você não tem esse direito. Nem de se sentir confortável de “gritar” e nem de ser violento! Espero que não concretize isso!
– Eu posso e falo. Eu posso sim, isso aqui é uma democracia! DEMOCRACIA!
Levantei e fui caminhando para a porta.
(Democracia? Me perguntei. A Democracia também é do homem agora?)
– Isso não é democracia!
Foi tudo o que eu disse.
Democracia é uma mulher não ter medo de denunciar. Democracia seria um homem não se sentir no direito de invadir o espaço de outras pessoas assim, de agir como se tudo fosse dele e sem medo algum. Até o ônibus é dele!
E eu que senti medo, na manhã de uma terça-feira: ás 10h na linha 5178/10 – praça João Mendes/ Jardim Miriam. Todas ali sentiram revolta e medo! E o que eu disse foi tão menor diante do que senti. O que mais eu poderia fazer?
Romper o silencio é tão dolorido quanto vivê-lo.
O ônibus seguiu.
Eu segui com um sentimento de impotência, verdade, mas minimamente aliviada por ter dito algo. E sigo acreditando em nossa fala, mulheres, em dias menos violentos.