Foto mostra Amanda Costa na COP 27 segurando uma placa com o texto Não ao racismo ambiental

COP 27: por que a periferia deve prestar atenção ao debate climático?

Conversamos com três especialistas para entender a importância da conferência, as relações entre a injustiça climática e os países mais pobres e as expectativas para o futuro climático do Brasil e do mundo

Por Amanda Stabile

17|11|2022

Alterado em 17|11|2022

Entre os dias 6 e 18 de novembro, Sharm El Sheikh, no Egito, sedia a 27ª edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP 27. O evento reúne os líderes dos países signatários da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), inclusive o Brasil, para avaliar a situação das mudanças climáticas e propor mecanismos para mitigá-las.

A primeira edição da COP aconteceu em 1995, em Berlim, na Alemanha. Desde então, dentre as principais conquistas desses 27 anos de convenção estão: a criação do mercado global de carbono, em 2021, pelo qual os países poderão negociar créditos de acordo com a quantidade de emissões ou de reduções de Gases de Efeito Estufa; e o Acordo de Paris, adotado pelos países em 2015, que rege as medidas de redução de emissão de dióxido de carbono a partir de 2020.

Esse ano, Amanda Costa, ativista climática e cofundadora do Perifa Sustentável, participa presencialmente do evento pela quarta vez, a convite do Greenpeace Brasil. Para ela, a juventude traz ambição, ousadia, criatividade e uma perspectiva decolonizada e antirracista para o centro do debate climático.

“As periferias, favelas, comunidades suburbanas fazem parte do grupos mais impactados pela crise climática. Então não dá mais para o nosso presente e o nosso futuro serem debatidos sem a gente estar fazendo parte, articulando e pensando em propostas e soluções que nos envolvam”, aponta.

Amanda também alerta que por muito tempo as mudanças climáticas foram discutidas sem abordar o fator raça e isso resultou em soluções rasas e superficiais, que não solucionam de fato essa crise e apenas aprofundam um modelo que cada vez mais marginaliza as comunidades vulnerabilizadas.

“Se a gente quer realmente encontrar soluções que sejam efetivas, é preciso falar de raça, gênero e classe, porque senão as mesmas propostas que não causam uma transformação real vão continuar sendo reverberadas”, alerta.

Flávia Bellaguarda, fundadora da LACLIMA – a primeira rede de juristas para a mudança climática do Brasil e da América Latina – e gerente de relações institucionais no Centro Brasil no Clima, complementa que é necessário que o mundo compreenda que os mais afetados pela mudança climática têm gênero, idade, localização e endereço determinados.

A especialista também aponta que a COP contribui para a humanização da crise climática por alguns motivos. Dentre eles, porque pela primeira vez o tema “Perdas e Danos” – relacionado aos prejuízos causados pela crise climática e quem são os prejudicados – foi incluído na agenda do evento, o documento que define as questões que serão debatidas durante a conferência.

“Isso significa que o mundo está prestando atenção em um tema que é direcionado totalmente para as questões dos mais vulneráveis e, por isso, precisamos prestar atenção no desenrolar dessa negociação”, alerta. 

Injustiça climática e os países mais pobres

Isayana Oliveira, líder no Climate Reality Brasil, jurista pelo Clima na LACLIMA e secretária executiva da organização Maranhão Sustentável e pesquisadora em humanidades e resíduos, explica que, historicamente, os países situados ao sul do globo, que chamamos de Sul Global, sofrem as violações de direitos humanos provocados pela colonização. 

“Os efeitos desse sistema colonial são as múltiplas crises econômicas, sanitárias, políticas, sociais e ambientais experimentadas ao longo dos séculos especialmente pelas populações da América Latina e da África”, aponta a especialista, que também é coautora do projeto Propostas para superar os desafios jurídicos da descarbonização no Brasil.

Essas crises construíram desigualdades sociais e territoriais que, por sua vez, são determinantes sociais de pobreza e raça, e vulnerabilizam grupos sociais cujos territórios foram marcados pelo processo de colonização.

“Todo esse sistema de dominação e exploração racista patriarcal e eurocêntrico está provocando o colapso da Terra, afetando a biodiversidade, a água, o solo e provocando mudanças bruscas, aceleradas e imprevisíveis dos ciclos ecológicos e, consequentemente, do clima”, alerta Isayana.

“Isso afeta a vida em todas as suas dimensões: impossibilita a regeneração da natureza e limita a capacidade de adaptação desses grupos sociais historicamente explorados empobrecidos a todo esse desequilíbrio climático e desequilíbrio da própria vida”, complementa.

Por que o Egito sedia a COP 27?

Essa é a quarta vez que o continente Africano sedia o evento, a última foi em 2016, quando a COP aconteceu no Marrocos. A Europa já sediou 14 COPs e, para Isayana, um ponto importante que reflete no evento é o fator econômico. Sediar a COP custa caro e isso dificulta que países em desenvolvimento consigam ser os anfitriões da conferência.

A especialista pontua três questões que podem ter influenciado a escolha do Egito como anfitrião do evento esse ano. Dentre eles: as desigualdades socioeconômicas, de saneamento básico e ambientais escancaradas pela pandemia da covid-19; a crescente reivindicação dos movimentos sociais, especialmente latino-americanos e africanos, com foco nas populações negras indígenas, que foram fortemente impactados pela covid-19; e a publicação do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), lançado em fevereiro de 2022.

“A conclusão do relatório, já esperada por todos, foi de que os efeitos da crise climática são muito maiores para os países do sul Global, especialmente os da América Latina e do continente Africano. Isso aumenta a vulnerabilidade e as desigualdades sociais entre as populações desses países e isso fortaleceu o movimento e as pressões por Justiça Climática e que essa fosse uma narrativa que tivesse espaço nas conferências, como é o caso da COP 27”, explica.

Apesar disso, do ponto de vista prático, aqueles que controlam os processos de decisão são justamente os países mais ricos, que são os mais poluidores e que também são aqueles que historicamente colonizaram as nações africanas e latinoamericanas.

Outro ponto que merece atenção é que, de acordo com um estudo publicado no último dia 10 de novembro pelas organizações Corporate Accountability, Corporate Europe Observatory e Global Witness, o número de representantes de indústrias de petróleo, gás e carvão participando da conferência aumentou 26% esse ano em comparação à COP 26.

“O lobby dos combustíveis fósseis, que são os vilões da crise climática, levou para essa COP 636 representantes. Esse número é maior do que o número de qualquer representante das delegações dos países africanos”, conta.

“Ou seja, há mais representantes de grandes poluidores na COP 27 do que representantes de países afetados pelas mudanças climáticas”, alerta Isayana.

Expectativas para o futuro

Ao final da COP 27, os países devem negociar acordos e firmar compromissos para frear a crise climática. Apesar disso, para Flávia Bellaguarda, precisamos ser realistas quanto ao que esperamos de resoluções em relação à Justiça Climática. 

“Nós ainda precisamos caminhar muito no que tange às negociações para fazer com que a conferência atinja o espaço que a gente quer. Mas o fato de ‘Perdas e Danos’ estarem sendo negociados e dos pavilhões da sociedade civil estarem borbulhando Justiça Climática, são fatores importantes para que a gente consiga passar uma mensagem para o mundo”, pontua.

Em relação ao novo governo brasileiro, Isayana Oliveira aponta que as expectativas são proporcionais ao tamanho das responsabilidades socioambientais exigidas por um país como o Brasil, que concentra a maior biodiversidade do planeta e abriga biomas importantíssimos como o Cerrado e a Amazônia, vitais para a manutenção da boa vida e bem-estar do povo brasileiro, especialmente das populações tradicionais e ancestrais que são também as mais vulneráveis à crise climática. 

“O novo governo tem pela frente a tarefa e o dever de abrir os caminhos, apoiar e facilitar a atuação das organizações da sociedade civil, especialmente os movimentos e grupos pretos, quilombolas e indígenas, nos espaços de decisão e negociação, em nome de todo o histórico colonial que sempre desprezou a potência dessas populações”, alerta.

A especialista também aponta que, o fato do Brasil possuir cerca de 6 mil comunidades quilombolas, das quais menos de 200 receberam a titulação de seus territórios, faz com que esses povos tradicionais estejam desprotegidos e ameaçados por empreendimentos do agronegócio, da mineração, além de obras públicas, bases militares e pela especulação imobiliária. Esses territórios são áreas de intensos conflitos socioambientais e concentram boa parte do desmatamento, da poluição, da degradação dos rios e do solo, da insegurança alimentar e das mudanças no uso do solo para dar lugar a monoculturas como a soja.

“Tudo isso deixa um rastro de pobreza, violência e deslocamentos forçados, aumentando os índices de emissões de gases do efeito estufa e tornando suas populações mais vulneráveis aos impactos extremos do clima, portanto, racializando a pauta, o compromisso e as expectativas em relação ao novo governo”, aponta.

Uma das grandes tarefas do novo governo é a regularização dos territórios quilombolas como instrumento para fazer frente à crise climática e ao investimento público para áreas de saneamento, habitação, transferência de renda e agroecologia para proteger as populações pretas dos desastres climáticos”, conclui Isayana.