Conheça a história de três empreendedoras negras e inspire-se
Erinalda Conceição é massoterapeuta, Fernanda Maria é artesã e Célia França é consultora de negócios. Conversamos com empreendedoras para saber as motivações e os desafios de ser dona do próprio negócio no Brasil
Por Amanda Stabile
01|06|2023
Alterado em 02|06|2023
No Brasil, 10,3 milhões de mulheres são empreendedoras, ou seja, donas do próprio negócio, segundo pesquisa recente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com base em dados do terceiro trimestre de 2022. Esse número é uma marca histórica e inédita no país que, segundo a organização, foi impulsionada pelas perdas registradas no período da pandemia.
Outro fator que contribui para a inclusão das mulheres nessa área é a maternidade. De acordo com estudo do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME) publicado em 2022, sete a cada dez empreendedoras brasileiras decidiram abrir um negócio após se tornarem mães.
Erinalda Conceição Silva, massoterapeuta há 16 anos, é uma dessas empreendedoras . Desde 2008, em Petrolina (PE), ela fazia parcerias com hotéis e clínicas de estética para a prestação de seus serviços. No começo de 2011, ela se mudou para São Paulo (SP) “com a coragem e uma mochila nas costas”, conta.
Seu objetivo era se especializar e fazer um curso técnico, mas demorou para arrumar emprego e viu suas reservas financeiras esvaziarem. “Eu lembro até hoje, no dia 30 de maio eu comecei a trabalhar em perfumaria como vendedora”, recorda. “Lá era oferecido o serviço de massagem. Um dia a profissional faltou e eu a cobri, aí passei de vendedora para massoterapeuta”, explica.
Assim foi pelos próximos três anos, até 2014, quando engravidou e descobriu que iria ser mãe de duas meninas gêmeas. Ela trabalhava informalmente, não tinha carteira assinada e trabalhou apenas até o quinto mês. “O que eu faço? Não tenho como voltar a trabalhar”, pensou.
A necessidade a empurrou para o empreendedorismo. Por dois anos e meio, Erinalda fez atendimentos de massoterapia à domicílio, até que começou a atender na sua própria casa. “Era um quarto, uma sala e uma cozinha. Eu atendia na sala”, lembra. Em setembro de 2019, ela se formalizou como Microempreendedora Individual (MEI).
Micro e pequenas empresas, como a de Erinalda, hoje são as responsáveis por 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, segundo o Sebrae. Esse indicador soma todos os produtos e serviços produzidos no país, o que significa que, quanto mais esse valor cresce, melhor vai a economia. Outro estudo da organização também aponta que as mulheres negras são donas de negócios de menor porte e atuam sem apoio de funcionários.
Empreender, aponta a massoterapeuta, é um caminho de formiguinha, mas muito gratificante. Conforme a clientela foi aumentando, ela sentiu a necessidade de ter um espaço próprio para os seus atendimentos. Assim, em 2019, abriu a sua própria clínica, a Ery Massoterapia Oriental, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo (SP). Lá são oferecidos os serviços de terapia holística, quiropraxia, psicologia e fisioterapia.
Em 2019, abriu a sua própria clínica, a Ery Massoterapia Oriental, no Jardim Leonor, na zona oeste de São Paulo (SP).
“Era só um sonho, hoje tá aí no mundo”
Fernanda Maria Isaac é Maria em homenagem a suas avós: Maria das Dores e Maria Helena. Na hora de dar nome a sua marca de bolsas artesanais, também não poderia deixar de lado as duas senhoras que tinham um apego particular pelo acessório. Aí nasceu a Negra Maria, em junho de 2019.
“Na bolsa da dona Maria das Dores tinha dinheiro e não podia encostar. Era algo sagrado. A Dona Helena já gostava muito de guardar documentos e coisas importantes, aí a bolsa ficava no guarda-roupa”, ri.
Criada na cidade de Olímpia (SP), na região metropolitana de São José do Rio Preto, desde os cinco anos de idade, Fernanda é sonhadora desde pequena. “Eu sempre acreditei muito em mim e acho que isso veio dos meus pais, que me criaram para ser independente e seguir aquilo que eu quisesse para a vida”, conta.
Habilidosa nas artes manuais desde muito cedo, ela não perdia a oportunidade de fazer e vender suas artes. Formada em Jornalismo pela União das Faculdades dos Grandes Lagos (UNILAGO), até na faculdade vendia cachecóis para os seus colegas.
A Negra Maria, nasceu na cidade de Olímpia (SP), região metropolitana de São José do Rio Preto.
©arquivo pessoal
“Aí uma amiga chegou em mim e falou: ‘eu vi uma bolsa de melancia, você faz?’. Como eu sou muito teimosa eu pensei ‘agora eu vou aprender’. Fui, estudei e consegui”, lembra. Ela então se inscreveu nas aulas de um projeto que ensinava crochê, e aprendeu as noções básicas. Foi ainda na faculdade, nas aulas de empreendedorismo, que Fernanda foi moldando sua marca.
Após se formar, fez muitas entrevistas de emprego para trabalhar como jornalista, mas em março de 2019, tomou uma decisão. “Eu sentei com os meus pais e falei: ‘gente, eu quero seguir com a Negra Maria”, recorda.
Eles e o meu namorado foram os meus primeiros investidores. Minha marca começou com uma máquina doada e R$ 150 da minha mãe
Fernanda Maria Isaac
Tudo o que aprendeu com o jornalismo, a empreendedora aplicou no seu negócio.
Também se especializou, fazendo cursos no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e uma capacitação com a Aliança Empreendedora, uma organização que tem o objetivo de capacitar e apoiar microempreendedores formais e informais em vulnerabilidade econômica de todo o Brasil. Fernanda também se formalizou como Microempreendedora Individual (MEI).
A iniciativa Tamo Junta, da Aliança Empreendedora, promove a capacitação gratuita para pequenas empreendedoras. As interessadas podem escolher o formato que melhor se enquadra em sua rotina: presencial em cinco encontros que acontecerão em diversas turmas itinerantes; via WhatsApp; ou de forma integralmente online assíncrona – ou seja, no seu tempo.
“Era só um sonho, hoje tá aí no mundo”, diz. “O meu principal ideal de empreendedorismo é mostrar para outras mulheres negras que elas também podem. O meu maior objetivo é chegar ao ponto de ensiná-las para que elas tenham liberdade financeira para ser o que quiserem. Para que enxerguem o potencial que têm por serem mulheres.
As mulheres são empreendedoras na vida, não só por ter um negócio
Fernanda Maria Isaac
Um conselho: comece
Célia França é uma pessoa que gosta muito de liberdade, em todos os sentidos: financeira, geográfica, intelectual. Esse é um dos pontos positivos que enxerga no empreendedorismo. Mas alerta: “um dia você se sente uma leoa e, no outro, uma gata borralheira”, ri.
Aos 14 anos de idade, com a coragem que só se tem na adolescência, Célia migrou sozinha do Tocantins para morar com uma tia em Brasília (DF). Em 2005, se formou em administração de empresas na Faculdade UPIS (União Pioneira de Integração Social) e, junto com mais duas amigas, começou sua aventura no mundo do empreendedorismo. Mas os negócios não deram muito certo.
Em 2017, após o nascimento de sua primeira filha, ela se encontrou em um impasse. “Eu precisava trabalhar, mas eu queria ficar em casa, perto da cria. E aí a opção era empreender”, conta. Ela então abriu uma loja online para vender roupinhas de bebê. Logo em seguida, descobriu a gestação de sua segunda filha.
Célia França é consultora de negócios.
©arquivo pessoal
“Eu tive que fazer o equilíbrio dos pratos. Então mudei o segmento do meu negócio e fui para área de serviço, fazendo uma espécie de acompanhamento em relação à maternidade”, lembra. Depois, Célia fez mais uma mudança no seu escopo de negócio e hoje atua fazendo o assessoramento de microempreendedores. “O meu trabalho é um pouco bússola. Eu digo: ‘olha você está aqui e pode ir para tais caminhos’”, explica.
Dentre os principais desafios de ser dona do próprio negócio, a empreendedora cita a dificuldade que muitos microempreendedores enfrentam ao fazer diversas funções na própria empresa. Outro ponto é a dificuldade de acreditar no sistema político. “É muito imposto que a gente tem que pagar. Se tem algo muito eficiente no nosso país é que a receita federal sabe toda a nossa trajetória de gastos e recebimentos”, aponta.
Para aquelas que estão pensando em empreender, Célia deixa um conselho por experiência própria: comece. “Não fique esperando estar perfeito. Quando eu comecei o meu e-commerce eu fiz identidade visual, o perfil do Instagram e tinha tudo lindo no papel. Mas, por alguns detalhezinhos, eu ficava esperando para começar, aí já se passou meio ano. Hoje as coisas são muito céleres, é tudo muito rápido e a gente não pode perder o time sabe das coisas”, conclui.
Conteúdo produzido em parceria com Aliança Empreendedora, organização que capacita e apoia microempreendedores formais e informais em vulnerabilidade econômica de todo o Brasil.