mulher indígena com cocar

Célia Xakriabá desafia a monocultura política e defende a indigenização do Congresso

Através de ativismo, estudos, moda e junção de forças com mulheres da política, a deputada federal Célia Xakriabá têm ressignificado a atuação no Congresso Nacional

Por Beatriz de Oliveira

07|07|2023

Alterado em 18|12|2023

Primeira deputada federal indígena por Minas Gerais, Célia Xakriabá exerce seu mandato no Congresso Nacional com a convicção de “mulherizar” e “indigenizar” a política. Não teme ser uma das poucas nesse espaço, pelo contrário. Transita pela Câmara orgulhosa com vestes ancestrais e cocar. Entende que a diversidade é positiva, afinal, “toda monocultura mata”.

Para a professora, mestra em Desenvolvimento Sustentável, doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), o ativismo é uma condição de vida.

Nascida na Terra Indígena Xakriabá, na cidade de São João das Missões (MG), Célia Xakriabá iniciou sua jornada no ativismo aos 13 anos. Foi quando começou a sair com lideranças do seu território e a entender a importância das lutas por causas indígenas. Logo percebeu que sua vida não seria parecida com a de meninas jovens de sua aldeia, que casavam e tinham filhos.

“É um desafio transitar entre o chão da aldeia e o chão do mundo. Abrimos mão de nossos sonhos individuais. Eu ainda não tive tempo de gerar filho no útero do meu corpo. Mas eu tenho filho no útero da luta, porque são filhos e filhas coletivas, mães também coletivas. Porque entendemos a emergência da missão, é o chamado da terra”, conta.

Célia Xakriabá

Célia Xakriabá é deputada federal por MG

©divulgação

Entre 2009 e 2013, viveu em Belo Horizonte (MG) e se graduou em Formação Intercultural para Educadores Indígena na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao retornar para o seu território, tornou-se professora de Cultura. Pouco tempo depois, em 2015, teve sua primeira experiência na política institucional: foi convidada para assumir a coordenação de Educação Escolar Indígena do estado.

Em 2018, acompanhou a campanha política da chapa presidencial de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara. “Ali entendi a importância de quando as pessoas perguntavam se estávamos preparadas para esse lugar da política. E nós dizemos: estamos preparadas porque nos preparamos na luta. Confie em alguém que defenda na política assim como defende seu território”.

Consciente da urgência em ocupar o espaço político, Célia Xakriabá continuou sua trajetória como assessora parlamentar de Áurea Carolina durante seu mandato como deputada federal. Já em 2022, assumiu a missão de ser a sucessora de Áurea, que não iria se candidatar à reeleição. Com 101.154 votos, tornou-se a primeira mulher indígena eleita como deputada federal por Minas Gerais.

“As lideranças Xakriabá me colocaram nesse chamado e Minas Gerais respondeu: de 853 municípios, fomos votados em 804. Fui a terceira pessoa mais votada da capital de Minas Gerais, entendendo esse chamado da emergência climática. Escutar a terra é escolher mulheres indígenas”, afirma.

Desde o início de 2023, vive seu primeiro ano de mandato e hoje é coordenadora da frente parlamentar em defesa dos povos originários. Apesar de ainda prevalecer majoritariamente masculina e branca, a atual configuração do Congresso Nacional tem o maior número de parlamentares mulheres: são 91 deputadas e 15 senadoras.

Para a ativista, esse é um momento de ressignificação da política e de entender uma série de conquistas tardias: “um Brasil que demorou 523 anos para ter a primeira indígena ministra no Ministério dos Povos Indígenas, que demorou 55 anos para ter, pela primeira vez, uma mulher indígena na presidência da FUNAI [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], que demorou 518 anos para ter a primeira mulher indígena eleita no Congresso Nacional”.

mulher indígena com bandeira do brasil

Em 2023, Célia Xakriabá vive seu primeiro ano de mandato

©divulgação

Para a ativista, o baixo índice de mulheres na política pode ser explicado ao olhar para a história do país. “Na época da invasão [dos portugueses ao Brasil] não havia mulheres nas primeiras navegações. Exatamente como no Congresso Nacional, que, na sua primeira composição de deputados, não tinha mulheres”, afirma.

No entanto, a parlamentar não se intimida em ser minoria no Congresso e aposta na junção de forças entre mulheres que entraram nesse ambiente. Afinal, “nem sempre quem é maioria está fazendo melhoria”. Ela pontua que é preciso “mulherizar” e “indigenizar” o parlamento. “Esse congresso conservador colonial e patriarcal precisa respeitar o Brasil das mulheres”.

Suas visões políticas se refletem também na escolha de sua vestimenta. Em seu dia a dia no Congresso e em sessões da Câmara, é possível ver a deputada com vestes ancestrais, usando cocar e com pinturas no corpo. Sua moda é decolonial e política.

“Às vezes, as pessoas me abordam e perguntam: ‘quando se veste assim, não acha que reproduz um olhar folclorizado?’. Respondo que folclorizado, pra mim, é o parlamentar que usa paletó todo dia. O que incomoda é a nossa diferença. Eu não tenho medo ou problema com a diferença. Tenho problema com a indiferença. Toda monocultura mata. Se o parlamento for monocultural, ele não vai se sustentar por si só. Por isso a importância de chegar com a nossa identidade, com a força do turbante e do cocar”, explica.

mulher indígena com cocar

Célia Xakriabá entende a moda como política

©divulgação

Olhando para o futuro, Célia almeja e luta por um parlamento multicultural, com mais presença de mulheres. “Machismo e conservadorismo, vocês que nos aguardem. Queremos trazer mais mulheres junto conosco, sobretudo na defesa de múltiplos territórios. Estamos aqui por nós, pelas presentes gerações e pelas futuras. O Brasil não é somente o país da pátria. O Brasil nasce das mulheres matriarcas. O Brasil nasce das mulheres indígenas”.


Esta reportagem integra a série “Feminismos”, uma parceria do Nós com a Fundação Rosa Luxemburgo. A série conta histórias de mulheres que têm a política como propósito de vida.