Casamento às cegas: mulheres sempre pagam caro por se expor

A exposição midiática das mulheres, geralmente, carrega tensões que revelam machismo, racismo, dentre outros problemas. A jornalista Lívia Lima analisa as repercussões do reality show "Casamento às cegas".

18|01|2023

- Alterado em 18|01|2023

Por Redação

Qual a relação entre a Princesa Diana, Whitney Houston e as mulheres do reality show “Casamento às cegas”? Talvez nenhuma, a não ser o fato de que estive pessoalmente envolvida com suas histórias nas últimas semanas. E as conexões que fiz, infelizmente, não foram boas. A exposição midiática das mulheres, geralmente, carrega tensões que revelam machismo, racismo, dentre outros problemas.

No período de dois meses eu maratonei a série “The Crown” na Netflix, que conta a história da rainha Elizabeth II da Inglaterra e de seus familiares, porque me interesso muito por personagens históricas. A produção é excelente em roteiro, atuação, dentre outros elementos da linguagem audiovisual. A última temporada, que relata a vida da monarquia nos conturbados anos 90, apresenta a história da princesa Diana, que teve um polêmico casamento com príncipe Charles, o atual rei. 

Diana (1961-1997) – a princesa do povo – se tornou uma celebridade, era perseguida por paparazzis por todos os lugares, e este teria sido, inclusive, o fator que contribuiu para o acidente de carro que provocou sua morte, em 1997. A série, baseada em afirmações públicas da própria Diana, aponta que a família real julgava que ela expunha demais sua vida pessoal. A consideravam instável, desequilibrada.

A mesma imagem foi projetada na cantora norte-americana Whitney Houston (1963-2012), cuja biografia se tornou um filme – “I Wanna Dance With Somebody – A História de Whitney Houston”, que estreou nos cinemas na última semana no Brasil. Aclamada como “A voz”, considerada a artista mais premiada de todos os tempos segundo o Livro de Recordes (Guinness), Whitney teve também a vida exposta na mídia, que mostrava ostensivamente os conflitos de seu casamento e seu vício em drogas. 

Não importava os êxitos e suas qualidades, essas duas mulheres foram cercadas por uma exploração midiática que apontava para suas falhas, seus deslizes. Mulheres que, de alguma forma, saíram dos papéis que se esperava delas.  E que pareciam ser castigadas por isso. 

Tudo isso aconteceu nos longínquos anos 90, antes da era dos reality shows e das redes sociais. Mas os julgamentos que recaem sobre as mulheres ainda continuam. Eu confesso que gosto de assistir o reality show “Casamento às cegas” na Netflix como um alívio cômico, para me distrair do dia a dia, do noticiário brasileiro, e apenas me entreter com pessoas que, voluntariamente, se sujeitam a algumas bizarrices. Mas, mesmo com o consentimento prévio, o peso do julgamento, as polêmicas que o próprio programa cria, e a repercussão na internet, acabam recaindo mais nas mulheres.

A última temporada brasileira sinalizou diversas questões envolvendo machismo, gordofobia, racismo, e é sempre tênue a linha que separa a importância de aproveitar o programa para discutir esses temas, ou o quanto ele acaba os reforçando. Mas só ao comparar o quanto as mulheres saem com a imagem mais fragilizada do que os homens, entendemos que mulheres sempre pagam mais caro por se expor.

As narrativas do reality apresentam mulheres como emocionadas, exageradas, instáveis. Não parece um pouco com a história das divas icônes dos anos 90? Sem dar spoiler, mas até mesmo as atitudes das mães dos participantes são avaliadas, enquanto a instituição “homem hetero” segue inabalável! Por mais que sejam criticados, ridicularizados, não são eles os considerados fracassados se um casamento não acontece em 30 dias! 

Em se tratando de relacionamentos, a responsabilidade para o sucesso parece ser sempre da mulher. E, caso aconteça algum deslize, é como se elas nunca tivessem uma segunda chance. A sociedade não perdoa mulheres que se permitem fracassar. Mulheres negras, menos ainda. E a recomendação é que sofram em silêncio, pois são julgadas quando demonstram fragilidade, vulnerabilidade, quando querem expor seus sentimentos. 

Se queremos tirar alguma lição positiva de todas essas fabulações, que seja para questionar e desconstruir essa narrativa que torce pela tragédia, que disseca e destrói nossos corpos e imagens, nossos sonhos e ideias. E torcer por mais finais realmente felizes. 

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Lívia Lima é jornalista e produtora cultural, graduada em Jornalismo (Mackenzie) e em Letras (USP), e é mestre em Estudos Culturais também pela Universidade de São Paulo. É cofundadora do Nós, mulheres da periferia.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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