‘Carta de alforria’: educadora é vítima de racismo em UTI de hospital

O caso de racismo ocorreu em unidade do Hospital São Luiz na zona sul de São Paulo; o agressor foi o médico

Por Beatriz de Oliveira

02|08|2023

Alterado em 08|08|2023

Com princípio de pneumonia e sinusite crônica, a educadora Aline Vargas foi internada em no dia 10 de junho na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Luiz, no bairro Jabaquara, zona sul de São Paulo (SP). Três dias depois, durante uma troca de plantão médico, por volta das 20h, o médico Carlos Eduardo Freitas Belon, um homem branco, examinou a paciente e disse: “vou conversar com os médicos para dar a sua carta de alforria”, numa alusão à escravização. Então, tirou as luvas, deu risada e saiu do quarto.

Sem conseguir processar a situação que acabara de passar, Aline ligou para sua companheira, a grafiteira Nene Surreal. “Eu perguntei: ele foi racista comigo, né?”. Em seguida, entra uma enfermeira e a paciente conta o que houve. O médico retorna, pede desculpas e ‘justifica’ que aquilo foi uma brincadeira.

Aline argumenta o quanto a fala foi violenta. Então, uma nova violência vem à tona: “quando terminei de falar ele disse: ‘até que você argumenta bem’”. Aline recebeu o apoio de uma enfermeira negra, a profissional questionou o médico racista e chamou o superior para relatar a situação.

Abalada ao contar o caso em entrevista por vídeo chamada, falar sobre o assunto e não chorar ainda é um desafio para ela. “Eu já sofri outros episódios de racismo, mas esse me pegou de uma outra forma… Eu estava num momento muito frágil” diz. E acrescenta: “minha mãe foi uma trabalhadora da limpeza em um hospital e sofreu muitas violências, às vezes chegava em casa chorando. Todas essas recordações voltaram”.

A educadora recebeu alta após uma exame superficial feito por uma médica que lhe deu um curto prazo para a família buscá-la. Ao ser informada da alta, Nene Surreal ficou preocupada, pois não houve conversa prévia sobre essa possibilidade.

Profissionais negros do hospital encorajaram Aline a seguir com a denúncia e relataram já terem vivenciado situações racistas naquele ambiente. A educadora e sua companheira fizeram uma denúncia na ouvidoria do hospital, que disponibilizou um psicólogo para mediar a questão. Também registraram um boletim de ocorrência (BO) na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI).

Já em casa, Aline segue com abalos emocionais, inclusive se questionando se estaria exagerando na reação ao caso, o que evidencia mais uma face da crueldade do racismo, em que a vítima se sente culpada. “Depois eu começo a cair na real, de que o médico me violou dentro de um leito de hospital e eu preciso ter forças para enfrentar”, afirma.

Outro lado

Em nota enviada ao Nós, mulheres da periferia, o Hospital São Luiz do Jabaquara afirmou: “o Hospital São Luiz do Jabaquara repudia qualquer tipo de discriminação, reafirma seu compromisso institucional com o enfrentamento e o combate ao racismo e lamenta profundamente o ocorrido. 

O caso em questão já foi encaminhado para o Conselho de Ética Médica, ligado ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), para a devida apuração e adoção das medidas cabíveis”.