Branco, até onde vai seu antirracismo?
O quanto as pessoas brancas estariam dispostas a ceder seus lugares de poder, de protagonismo? Até onde vai o antirracismo? . Confira a coluna da jornalista Lívia Lima.
11|10|2022
- Alterado em 17|05|2024
Por Lívia Lima
Há algumas semanas eu participei de uma sessão comentada do filme “Medida Provisória”, com participação do diretor Lázaro Ramos, no IMS (Instituto Moreira Salles) em São Paulo (SP). Sem dar spoiler (assistam ao filme), mas, quando eu assisti pela primeira vez, tive uma opinião sobre o desfecho do personagem Santiago (um homem branco, que na história trabalha no departamento de execução da Medida Provisória), e lá, escutando e depois até trocando com o próprio Lázaro, fiz uma outra leitura e entendi como ele gostaria de evidenciar o risco da branquitude ao se calar diante do racismo.
Quando pessoas brancas deixam de participar, de agir na luta antirracista, todos nós perdemos, e claro que nós, como sempre, muito mais.
Durante a pandemia da Covid-19, principalmente sensibilizadas pelo movimento “Black lives matter” dos Estados Unidos, tanto pessoas negras quanto brancas admitiram que era importante, como Angela Davis solicita, não só não ser racista, mas ser também antirracista. Mas o que significa de fato isso do ponto de vista de ação?
É muito fácil ser uma pessoa antirracista, afinal, exceto em grupos extremistas e radicais, pega mal ser uma pessoa a favor do racismo, não é mesmo? Mas só falar da boca pra fora que é antirracista também não resolve muita coisa. É necessário que todas as pessoas se engajem de fato no combate ao racismo estrutural.
Em um ensaio lançado esse ano na revista Serrote, a escritora portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida, ao falar sobre as complexidades de ser uma mulher negra que escreve, aponta para a forma como a questão racial hoje está mais evidente, na “crista da onda”, e como, muitas vezes, as pessoas brancas consomem a literatura de pessoas negras como frutas da estação, e só porque agora estão na moda, amanhã sendo substituídas por outra.
Em um trecho, a autora afirma:
“Que significa uma mulher ser uma moda? Sim, agora as pretas estão na moda. Serei uma mulher ou uma coisa? (…)Está a passar, vêm aí as asiáticas, as eslavas, as coreanas são melhores do que as nigerianas, mais misteriosas (…). Outono-inverno 2015-2016 – ou escravidão?”
Me identifiquei muito com a reflexão de Djaimilia, porque, como mulher negra, tenho a sensação que pessoas brancas que conheço e convivo se relacionam de forma muito superficial com as discussões raciais.
Em muitas das atividades e eventos que frequento, principalmente culturais, nas quais as temáticas, artistas, obras são protagonizadas por pessoas negras, é também de pele preta que é formado o público, a plateia. Em rodas de conversa sobre racismo, a maioria sempre é negra.
Onde estão os brancos antirracistas nessas horas?
Em salas de debates, rodas de conversa, onde estão as pessoas brancas para escutar e acolher nossas demandas? Nas ruas em protesto por mortes negras, muitas vezes o que temos é apenas, mais uma vez, nós por nós, nos apoiando em nossas dores e lutas. Sinto que apenas quando se trata de espetáculos, performances, exibições, aí sim as pessoas brancas participam. Continuarão apenas reproduzindo uma lógica de zoológico colonialista?!
Enquanto a branquitude se relacionar com as questões raciais apenas como estatísticas e conceitos de forma abstrata, distante de sua realidade, só porque não sentem na pele o que nos atravessa diariamente como pessoas negras, fica difícil contar com ela.
Sinto quase como uma falta de respeito pessoas supostamente progressistas e intelectualizadas desconhecerem nossas produções, autores, teorias, pensamentos, relegando-as apenas a nichos especializados, subestimando o quanto a discussão racial perpassa TUDO o que diz respeito à nossa sociedade.
Eu gostaria de contar mais com a presença, apoio, escuta ativa de pessoas brancas. Vocês estão dispostas a isso?
No contexto eleitoral, contar com apoio de pessoas brancas na promoção de candidaturas negras seria fundamental. Mas, o que vemos, ainda, é que dentre as pessoas eleitas, ainda é desproporcional nossa presença. O quanto as pessoas brancas estariam dispostas a ceder seus lugares de poder, de protagonismo? Até onde vai o antirracismo?
Este conteúdo foi publicado originalmente no Expresso na Perifa – Estadão
Lívia Lima Lívia Lima é jornalista e produtora cultural, graduada em Jornalismo (Mackenzie) e em Letras (USP), e é mestre em Estudos Culturais também pela Universidade de São Paulo. É cofundadora do Nós, mulheres da periferia.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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