ADPF 442: a vida das mulheres que abortam nas mãos do STF
Entre 22 e 29 de setembro, o Supremo julga a ação que visa a descriminalização do aborto até as primeiras 12 semanas de gestação. A ministra Rosa Weber, relatora da Ação, proferiu seu voto a favor da ADPF na madrugada de hoje
Por Amanda Stabile
22|09|2023
Alterado em 27|09|2023
Hoje (22), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442. Proposta pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) em 2017, a ação visa à descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação. O prazo para o final do julgamento é 29 de setembro.
A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo e relatora da ação, já proferiu seu voto favorável na madrugada de hoje.
Os requerentes da ADPF argumentam que os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto (124 e 126) descumprem os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não discriminação. Também violam os direitos fundamentais à inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar.
O Estado brasileiro torna a gravidez um dever, impondo-a às mulheres, em particular às mulheres negras e indígenas, nordestinas e pobres, o que muitas vezes traz graves consequências ao projeto de vida delas
aponta o PSOL na petição inicial.
Afirma, ainda, que o longo período de permanência da criminalização do aborto no Brasil é circunstância que indica uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável.
Prestes a se aposentar, em 1ª de outubro, Rosa Weber não queria deixar o STF antes do julgamento – preocupada que seu sucessor tenha uma postura não alinhada com a pauta. Em seu voto, a ministra declarou:
“Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna”.
No voto seguinte, o ministro Roberto Barroso fez um pedido de destaque, o que suspende o julgamento e leva a discussão do plenário virtual para as sessões presenciais da Corte para que haja debates entre os ministros. Ainda não há data marcada para que o tema retorne à pauta do Supremo.
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Nem presas nem mortas por aborto
No Brasil, pelo menos uma a cada sete mulheres já interrompeu voluntariamente uma gestação, de acordo com a edição de 2021 da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA). Laura Molinari, coordenadora executiva da Nem Presa Nem Morta – campanha criada em 2018 para dar visibilidade à ADPF 442 –, explica que as consequências negativas da criminalização do aborto sempre recaem mais sobre as mulheres negras e pobres e reforça desigualdades entre as próprias mulheres.
Em 2012, o STF decidiu a favor de uma outra ação que questionava a constitucionalidade da criminalização do aborto. A ADPF 54, de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), visava a descriminalização do procedimento em casos de anencefalia fetal.
“O julgamento da ADPF 54 foi importante porque permitiu que o Tribunal acumulasse um bom debate sobre aborto e decidisse a partir de conceitos importantes para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos”, pontua Laura. “Conceitos como a laicidade do Estado, o risco de vida que determinadas gestantes correm ao seguir com uma gestação e os impactos de seguir com uma gravidez que causa intenso sofrimento mental à quem gesta. Isso significa que essa decisão e essas discussões podem ser retomadas no debate sobre a ADPF 442”.
A descriminalização do aborto, no entanto, não põe fim às reivindicações para a efetivação desse direito. Laura aponta a necessidade de um trabalho coletivo para efetivar a decisão. “Existe a necessidade de criação de políticas de saúde para que o Sistema Único de Saúde (SUS) esteja preparado para receber e atender essas pessoas, através de normas e regulamentos”, argumenta.
Outro ponto de atenção defendido pela especialista é a melhoria da formação de profissionais de saúde e do cuidado, para que estejam aptos a fazer o procedimento de forma segura e humanizada. “Existe também a necessidade de fazer com que as pessoas saibam que esse direito existe e como podem acessá-lo na prática”, aponta.
O estigma do aborto, mesmo que deixe de ser crime, não vai desaparecer de um dia pro outro, e pra isso é preciso que a gente desde já fale sobre ele sem tabu e em todos os espaços possíveis: nas universidades, nas redes, na mesa do bar,
conclui.