A transfobia recreativa é cotidiana
A transfobia no Brasil, promovida de forma cis-temática, tem encontrado legitimidade em espaços institucionais
13|03|2023
- Alterado em 16|03|2023
Por Semayat S. Oliveira
No dia 8 de março fomos bombardeadas nas redes com o compartilhamento de um vídeo onde um deputado federal subiu ao plenário da Câmara, usando peruca amarela de nylon e afirmando ser uma mulher. Após o ato criminoso, o parlamentar, que já possui duas notícias-crimes apresentadas ao STF (Supremo Tribunal Federal), criou um grupo de apoiadores e aumentou seus números nas redes sociais. O que isso nos mostra?
A transfobia no Brasil, promovida de forma cis-temática, tem encontrado legitimidade em espaços institucionais. Não é de hoje que parlamentares manuseiam falas transfóbicas e, quando cobrados, alegam ser apenas opiniões, desqualificando qualquer argumento ou justificativa que aponte os crimes contidos nas falas.
É comum a insistência em desrespeitar, ridicularizar e desumanizar pessoas subalternizadas. A afirmação de que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo já não dá conta de sensibilizar sujeitos que se autopromovem em cima da precarização de outros sujeitos.
Não há mais constrangimento em se mostrar abertamente criminoso. Existe uma instituição que cria a sensação de proteção aos que insistem em manusear violências nos mais diversos espaços públicos. O conservadorismo e o bolsonarismo foram responsáveis por instaurar a permissividade aos que, por insustentáveis fundamentações, escolheram praticar atos transfóbicos sem nenhum receio.
A atitude do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) ilustra como, no Brasil, a transfobia, ainda que considerada crime, também é recreativa e institucional, gera engajamento aos seus praticantes e não inibe os parlamentares de cometerem crimes em pleno exercício de suas funções. Acontecimentos como esse nos levam a pensar: é possível construir uma política que seja minimamente ética e cumpra com o que está estabelecido na constituição federal do Brasil?
Num dia histórico como o 8 de março, sentir-se livre para subir ao plenário de uma Câmara de Deputados e manusear falas violentas contra um grupo, só nos mostra que existe uma sensação de permissividade na prática de crimes de ódio, principalmente quando se é homem, cisgênero e branco. Os lugares ocupados por parlamentares conservadores garantem conforto para tais iniciativas, não há como negar.
Da mesma forma como temos lutado contra o racismo e outras opressões, precisamos seguir lutando contra a transfobia cotidiana, que não tira férias e nem nos dá descanso. Responder judicialmente às práticas criminosas é o mínimo para pessoas que insistem em desrespeitar e usar de lugares institucionais para gerar opressões e atos criminosos.
A estratégia de promoção em cima de opressões não pode passar batido e precisamos estar sempre atentas para que lugares sociais de prestígio também sejam lugares passíveis de críticas e tensões. Não estamos de olhos fechados!
Semayat S. Oliveira Semayat Oliveira, jornalista e escritora. Nascida no Jardim Miriam, zona sul de São Paulo
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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