“A gente não tinha documento de adoção nem registro de trabalho”
“Nunca fui maltratada não, não fazia serviço pesado e graças a Deus também não passei fome, necessidade”, relata Maria Lúcia Lima, 65 anos. Minha mãe. Nascida em Fernão Dias, norte de Minas Gerais, morava na roça com seu pai, mãe e seus quatro irmãos. Até os 10 anos nunca tinha frequentado a escola, era longe, […]
Por Lívia Lima
09|03|2015
Alterado em 09|03|2015
“Nunca fui maltratada não, não fazia serviço pesado e graças a Deus também não passei fome, necessidade”, relata Maria Lúcia Lima, 65 anos. Minha mãe. Nascida em Fernão Dias, norte de Minas Gerais, morava na roça com seu pai, mãe e seus quatro irmãos. Até os 10 anos nunca tinha frequentado a escola, era longe, difícil de chegar.
Depois que seu pai faleceu, Joaquina, minha avó, se casou novamente e acreditou que seria melhor deixar as crianças com a sua patroa, dona Julieta, para que eles pudessem ter uma vida melhor e até estudar. Uma solução prática, mas que doeu um pouco no coração da menina Lúcia, que cresceu longe de sua mãe.
Na Casa Grande de dona Julieta, em troca de casa e comida, Lúcia ajudava nos serviços domésticos. Apesar de haver empregados assalariados, ela e os irmãos retribuíam a caridade da família branca que acolhia os meninos negros em sua casa. “Zé Lúcio (meu tio) reclamava mais porque ele que tinha que acordar cedo para buscar o leite, e andava muito carregando o peso”.
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A menina passou a frequentar a escola e conseguiu estudar até a 4ª série. Fez exame para começar a 5ª, mas pela rotina de trabalho acabou não seguindo em frente. Além de ajudar na fazenda de dona Julieta, Lúcia ocasionalmente ia para a casa de suas filhas, em Montes Claros, até em Goiás.
Ficou mais tempo na casa de Helena, que era diretora da escola do município de Fernão Dias. Mais velha, Lúcia acabou trabalhando como merendeira na escola. Tinha salário, mas não registro. Eles disseram que após 2 anos como temporária ela poderia ser efetivada, mas acabou não acontecendo.
“Eles nos apresentavam como filhos de criação, mas na verdade a gente não tinha nem documento de adoção, nem registro de trabalho”.
Aos 23 anos, Lúcia se mudou para São Paulo, para morar com os irmãos que já haviam abandonado a ‘proteção’ de dona Julieta. Como a maioria dos retirantes na época, conseguiu emprego como operária em fábricas.
Com 32 anos abandonou a carteira assinada para trabalhar de novo em casa, mas agora para a família dela. Com certidão de casamento.
Arquivo Pessoal – Dona Maria Lúcia Lima e a filha Livia Lima