A Barbie representava tudo o que eu não podia ter e nem ser

Xuxa, Angélica, Eliana, Carla Perez, Sheila Mello e tantas outras mulheres reforçavam essa ideologia na televisão todos os dias.

20|07|2023

- Alterado em 27|07|2023

Por Lívia Lima

Quando eu era criança, queria muito ter uma Barbie, mas ela era muito cara. Me lembro que tive uma boneca semelhante enquanto proposta – no tamanho e formato – mas ainda não era a original. E tinha ainda uma grande questão: ela era morena. Esse detalhe evidenciava que não se tratava mesmo da boneca ideal.

Depois de um tempo, meus pais até conseguiram me dar uma Barbie, a do modelo mais barato. Era aquela que não vinha nada junto, da caixa estreita e só com uma única roupa. Os instrumentos e equipamentos de suas diferentes profissões, os acessórios de suas atividades esportivas e de lazer, o cachorro, o carro, a casa cor-de-rosa – o próprio Ken, isso eu nunca tive. De alguma forma, a Barbie representava tudo o que eu não podia ter.

Assim como para a maioria das crianças pretas e pobres dos anos 90, não havia referências negras, portanto, era muito naturalizado as bonecas serem todas loiras. E se esse era o padrão dos brinquedos, era porque também se tratava do que a sociedade privilegiava.

O recado estava claro: “você não pertence à categoria das pessoas especiais, você é inferior, você não merece ter nada disso, você não é bonita”.

Lívia Lima

Xuxa, Angélica, Eliana, Carla Perez, Sheila Mello e tantas outras mulheres reforçavam essa ideologia na televisão todos os dias. A Adriana “Bombom” até participava do show, mas não era digna de ser uma paquita. A Globeleza só aparecia durante o carnaval – nua e exposta como a carne mais barata do mercado.

E mesmo apesar de toda a opressão ao qual essas imagens nos submetiam, ainda assim elas fazem parte do imaginário das nossas infâncias, elas atiçam a nossa curiosidade. Sim, eu quero ver o documentário da Xuxa e assistir ao filme da Barbie. Superar as questões traumáticas, recuperar a autoestima e deixar as recordações em nossas memórias afetivas é uma conquista que, com maturidade, consciência e orgulho, podemos alcançar. E, quem sabe assim, poder curtir um cineminha em paz.

Lívia Lima é jornalista e produtora cultural, graduada em Jornalismo (Mackenzie) e em Letras (USP), e é mestre em Estudos Culturais também pela Universidade de São Paulo. É cofundadora do Nós, mulheres da periferia.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.