Chuvas, invisibilidade e desigualdades climáticas

Existem soluções para os desafios climáticos extremos. Mas será que elas estão sendo implementadas?

02|02|2024

- Alterado em 17|05|2024

Por Amanda Costa

Todo mundo tem uma história com chuva. Pode ser uma lembrança afetiva de banho de quando era criança, uma recordação romântica do beijo molhado na pessoa amada, a memória amorosa de ter corrido com a mãe para pegar as roupas do varal ou um pensamento de medo, tristeza e desespero por ter que lidar com enchentes e alagamentos.

Não sei o que acontece com o governo desse país, mas sinto que passam-se os anos e os desafios continuam os mesmos! E muitas vezes, pessoas que não vivem uma realidade periférica gostam de dar pitacos sobre o que vivemos. Quem nunca escutou a seguinte frase:

Muito triste o que está acontecendo. Mas por que essas pessoas foram morar próximo do rio/encosta/região de risco?

Isso é o cúmulo da ignorância e da superficialidade sobre os debates de raça e classe! Muitas de nós não temos escolhas, estamos lutando pela sobrevivência. Num país de financiamentos abusivos, ter recursos para comprar uma casa se tornou a possibilidade de poucos.

A questão que fica é: será que as enchentes não tem solução?

Será que todos os anos, durante os meses de dezembro e janeiro, precisaremos viver em estado de alerta e torcer para que a nossa casa não encha, não percamos o carro parcelado na enchente e não sejamos a próxima vítima da invisibilidade sistêmica do poder público?

©Caco Galhardo

Não, isso está errado!

Na minha busca por soluções, conversei com Pedro Henrique Cristo, urbanista climático e fundador do +D Design with Purpose. De acordo com Pedro, quando o assunto é chuva, enfrentamos três grandes desafios:

O padrão de chuvas mudou: hoje temos chuvas caindo num menor período de forma mais intensa, o que torna o solo arenoso e causa mais deslizamentos;

Ninguém faz nada: o corporativismo está impedindo soluções! O Brasil ficou para trás na área de desenho urbano, território e paisagem;

Racismo ambiental e desigualdade climática: existe uma correlação direta entre pessoas negras e espaços degradados. Esse grupo se torna mais suscetível aos eventos climáticos extremos.

Pois é, minha cara leitora. O Brasil tem tudo para liderar a agenda ambiental e climática no mundo, mas está perdendo espaço por conta de sua incapacidade de implementar soluções. Na maioria dos estados brasileiros, o urbanismo não priorizou os sistemas naturais no desenho de suas cidades e, infelizmente, inovação se tornou sinônimo de prédios altos, rios canalizados e grandes shoppings como fonte de lazer.

Chega de naturalizar viver na Selva de Pedra!

A boa notícia é que temos solução sim. Hoje já existe tecnologia para prever, com até 95% de precisão, o impacto das chuvas nos territórios, através da Modelagem 4D, que envolve a simulação de cenários sobre enchentes, deslizamentos e ondas de calor. Agora o rolê é mobilizar o poder público para trazer investimentos e colocar as soluções em prática.

As tragédias com as chuvas podem ser, literalmente, um divisor de águas para as cidades brasileiras. Precisamos reestruturar nossos territórios para resistirem aos eventos climáticos extremos, dando prioridade aos grupos que estão inseridos num lugar de vulnerabilidade social, econômica e ambiental.

Somente assim poderemos construir as bases que nos levarão rumo à transição climática justa!

Amanda Costa Amanda Costa é ativista climática, diretora executiva do Instituto Perifa Sustentável e Jovem Conselheira do Pacto Global da ONU.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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