Rede Wayuri leva informação para 750 comunidades indígenas na Amazônia
Comunicadores indígenas fazem uso de rádio e redes sociais para informar população de São Gabriel da Cachoeira (AM).
Por Beatriz de Oliveira
25|10|2022
Alterado em 25|10|2022
Carros com alto falantes passando pelas ruas da cidade com informações sobre o vírus da Covid-19 e os cuidados necessários. Mensagens passadas também por rádio local e pelo WhatsApp dos moradores e também produção de cartilhas sobre o assunto. Tudo isso feito em diferentes línguas indígenas. O lema, em 2020, era: fique na aldeia. Não faltou criatividade e esforço de lideranças de São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, para conscientizar a população sobre a pandemia de Covid-19.
Entre os envolvidos na ação estão os comunicadores da Rede Wayuri, coletivo de mídia popular que transmite informação para 750 comunidades indígenas das terras localizadas ao longo do rio Negro, abrangendo os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira. Ao todo, são 23 etnias diferentes.
“O que se dizia é que a pandemia ia dizimar as populações indígenas. A preocupação foi muito grande. [Procuramos] fazer com que todo mundo entendesse isso, o que estava acontecendo no mundo e o que a gente precisava fazer para não ser dizimado”, afirma Juliana Albuquerque, do povo Baré e comunicadora da Rede Wayuri.
O receio dos comunicadores com a contaminação pelo vírus se torna mais explícito pelo fato de São Gabriel da Cachoeira ser o município mais indígena do país: cerca de 90% da população local é indígena. O cuidado em transmitir a informação de diferentes formas e em variadas línguas também foi pensado com base na realidade da cidade. As aldeias são distantes entre si e muitos não têm acesso à internet. Além disso há moradores que não entendem português, o município tem quatro línguas co-oficiais: tukano, baniwa, nheengatu e yanomami.
Criada em 2017, a rede teve como objetivo inicial combater fake news que confundiam moradores. É vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e ao Instituto Socioambiental (ISA), instituições de defesa dos direitos indígenas.
Ao longo dos anos, as atividades da Rede Wayuri se expandiram, hoje abordam temas como política, economia, cultura, educação, saúde. Inclusive, fizeram a cobertura do primeiro turno das eleições de 2022, pautando a necessidade da população de São Gabriel da Cachoeira se atentar às propostas dos candidatos sobre direitos indígenas.
Em maio de 2022, receberam o Prêmio Estado de Direito, do World Justice Project (WJP), na cidade de Haia, na Holanda, durante o Fórum Mundial de Justiça. A premiação foi dada pelos esforços em combater a desinformação na Amazônia.
Juliana Albuquerque enfatiza a importância da comunicação feita por indígenas e voltada para povos originários, pois assim a informação é transmitida por quem vive e entende a realidade local. “Geralmente eles [brancos] têm uma visão do indígena, mas os povos indígenas têm outra visão. É uma inversão, de como o branco vê o indígena e de como o indígena vê o branco”, afirma.
Wayuri, a palavra em nheengatu que dá nome ao veículo, carrega um significado que resume a visão acerca da comunicação feita por eles: trabalho coletivo ou mutirão. Para lidar com as amplas distâncias entre as comunidades, a rede fez formações com moradores que se tornaram “comunicadores de base”. Cada um deve reportar os acontecimentos relativos às aldeias em que vivem através de um grupo de WhatsApp. Feito isso, os comunicadores que ficam no centro da cidade selecionam as notícias e fazem a transmissão. Atualmente, são 55 comunicadores de base.
“É bem desafiador conseguir fazer comunicação porque tem diferenças nas línguas, e [o desafio] de fazer a informação chegar [aos povos indígenas]. Temos que achar o meio termo entre todas as diferenças, para que a informação possa chegar em quem precisa”, relata Juliana.
Jornalistas do Nós, mulheres da periferia participam de programa de rádio da Rede Wayuri.
©arquivo pessoal
Nenhum dos integrantes da rede têm formação superior em comunicação, apenas formações pontuais feitas no território. O anseio por informar as comunidades é colocado em prática com os meios que dispõem.
A Rede Wayuri conta ainda com o programa de rádio Papo da Maloca, em que recebe semanalmente convidados para abordar temas relacionados a eventos locais, juventude, mulheres e eleições. Após a transmissão o programa é transformado em podcast.