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O que é justiça tributária e por que você deveria se interessar pelo assunto

Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, a administradora Eliane Barbosa diz que mulheres negras e periféricas podem ser as mais beneficiadas por medidas de justiça tributária

Por Beatriz de Oliveira

10|06|2025

Alterado em 10|06|2025

Você acha justo uma pessoa que ganha R$ 2.000 pagar mais impostos, proporcionalmente, do que uma pessoa que recebe R$ 100 mil por mês? Se sua resposta foi não, provavelmente você concorda com os princípios da justiça tributária.

De forma geral, a justiça tributária define que os pagamentos de tributos variem de acordo com a renda e o patrimônio de um cidadão, ou seja: quem tem maior riqueza paga mais impostos. Além disso, o recolhimento desses impostos deve visar ao oferecimento de serviços públicos de qualidade para toda a população. 

É por isso que é válido que você, mulher periférica, se interesse pelas decisões tomadas acerca do sistema tributário brasileiro, afinal, isso afeta diretamente o seu bolso, sua qualidade de vida e a da sua família.

Para entender melhor esse conceito, conversamos com Eliane Barbosa, doutora em Administração e pesquisadora do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da FGV (CEAPG). Entre outras coisas, ela explicou que a Constituição Federal de 1988 tem princípios que visam promover a justiça tributária, no entanto, eles têm sido negligenciados.

Confira a entrevista completa!

mulher negra sorrindo

Eliane Barbosa é doutora em Administração e pesquisadora do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da FGV (CEAPG).

©arquivo pessoal

Nós, mulheres da periferia: O que podemos entender por justiça tributária?

Eliane Barbosa: Para compreendermos a justiça tributária, devemos partir do princípio de que o tributo é algo importante, necessário e fundamental para o funcionamento da sociedade. É uma forma que a gente, enquanto sociedade, organizou de suprir o Estado com recursos para que ele possa atuar de forma a mediar as relações sociais.

Na lógica liberal, o Estado foi organizado para o bem-estar da população. Mas, como o Estado promove o bem-estar de uma população numa realidade capitalista, em que a gente precisa pagar pelo consumo? Neste modelo, todas as necessidades básicas só podem ser atendidas por meio de recursos financeiros.

Então, quando pensamos em tributo, estamos provendo o erário público [recursos financeiros do Estado] de recursos necessários para ofertar aos cidadãos e cidadãs serviços públicos gratuitos. Que serviços são esses? Aqueles essenciais ao bem-estar da população. Temos acordado na nossa Constituição, por exemplo, que a educação e a saúde são serviços de extrema necessidade e importância para a população brasileira, por isso são subsidiados por meio de tributos. É subsidiado por meio de tributos também a infraestrutura para o desenvolvimento do país, como estradas, saneamento básico, habitações sociais.

Um sistema tributário é justo na medida em que permitimos que quem tem mais recursos pague mais tributos. Ou seja, que o pagamento do tributo seja proporcional à riqueza. A ideia é que o valor mais alto de tributo pago pela população do topo da pirâmide sirva como medida de redistribuição, de modo a disponibilizar ao conjunto da população serviços de qualidade.

O sistema tributário justo é esse que exige mais de quem tem mais, menos de quem tem menos, e cujo fruto dessa arrecadação é aplicado no bem-estar da população.

Nós: Existe algum mecanismo que já promove justiça tributária no Brasil?

Eliane Barbosa: A própria Constituição Federal traz alguns princípios que visam promover a justiça tributária no país. Há, por exemplo, o princípio da capacidade contributiva, que está no artigo 145, que define que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte, podendo, para isso, a administração pública observar o patrimônio do contribuinte e sua atividade econômica. Esse princípio é soberano no que diz respeito à justiça econômica.

Temos o princípio da universalidade e o princípio da progressividade, que são importantes para a tributação sobre a renda. Ou seja, todos os ganhos de capital que aumentam o patrimônio da pessoa deveriam ser tributados de forma progressiva. Então, o lucro que o dono de uma empresa recebe deve ser tributado, por exemplo. Mas, temos, desde 1995, uma lei que isentou os dividendos e os lucros dos empresários do pagamento do imposto de renda.

O princípio da progressividade também tem sido negligenciado. A progressividade prevê que os impostos vão aumentando gradualmente à medida que sobe a renda da população. Quanto mais no topo da pirâmide, mais imposto paga e maior é a alíquota sobre essa base de cálculo. A base de cálculo seria toda a renda, todo aumento de patrimônio ou de consumo.

Na nossa tabela atual do Imposto de Renda, quem ganha acima de R$ 4.664,68 paga 27,5% de Imposto de Renda. Quem ganha R$ 1 milhão, também paga 27,5%. Cadê a progressividade? É verdade que não é bem assim, desses R$ 4.664,68 tem uma parte que é isenta, mas é um mínimo, é uma parte pequena.

Outro princípio importante que tem sido negligenciado é o princípio do mínimo existencial e também o do caráter não confiscatório. Porque, vejamos, uma pessoa que ganha dois salários mínimos no Brasil hoje, paga imposto de renda. E geralmente essa pessoa é da base da pirâmide, geralmente é uma pessoa negra, que como eu, tem que dar conta de si e da família. Como uma pessoa que ganha dois salários mínimos vai dar conta da sua própria vida, da sua família e ainda pagar imposto de renda? Então, o mínimo existencial, o necessário para a vida, não tem sido contemplado.

Nossa Constituição já prevê os instrumentos teóricos, conceituais e jurídicos da justiça social. Mas esses princípios têm sido negligenciados.

Nós: Como mulheres negras e periféricas podem se beneficiar da justiça tributária?

Eliane Barbosa: O sistema tributário justo, que respeita os princípios da universalidade, da generalidade, da progressividade, da capacidade contributiva, da pessoalidade, beneficia a todos os estratos sociais da base da pirâmide.

E sabemos que nós, mulheres negras, somos quem estamos lá. Somos nós o tapete dessa sociedade. Somos nós as mais beneficiadas com o sistema tributário que exige daqueles que mais podem pagar tributos, daqueles que têm maior disponibilidade, maior acréscimo patrimonial a cada ano – são esses os verdadeiros devedores do imposto de renda.