O essencial é invisível aos olhos (do mercado)

A economista Juliane Furno explica por que o mercado está "ansioso e irritado" e o que deve ser essencial neste momento para a economia. Confira!

23|11|2022

- Alterado em 17|05|2024

Por Juliane Furno

O próximo Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, nem mesmo assumiu a cadeira de mandatário do executivo e a complacência do “mercado” com a política econômica mostrou-se findada. Enquanto o mesmo “mercado” precificou com otimismo o golpe de 2016; o teto de gasto e a Reforma da Previdência, apresentou insatisfação e temor quando da anulação dos processos arbitrários que decretaram a suspeição do ex-juíz Sergio Moro e decretaram o retorno dos direitos político de Lula, ainda no ano de 2021.

Mas, afinal, a pergunta que não quer calar. Parafraseando o poeta alemão Bertolt Brecht:

“Afinal, quem é o (partido) mercado? Ele fica sentado em uma casa com telefones? Seus pensamentos são secretos, suas decisões desconhecidas? Quem é ele?”

O mercado é a reunião de diversas entidades do setor financeiro, sobretudo de corretoras, fundos de investimentos, agentes do setor bancário e investidores institucionais.

Assim como há diversos tipos de associações – industriais, do ramo de serviços, dos trabalhadores – há um grupo de operadores e representantes de um certo “mercado” que é o mercado financeiro. No entanto, os “sentimentos” parecem ser exclusividade desses últimos. Não comparece com frequência nos noticiários a mensuração da temperatura do sentimento dos trabalhadores, dos industriais ou de outros segmentos – aliás esses que podem ser sentimentos porque, afinal, são pessoas. No entanto, aquilo que é “coisa” é frequentemente “humanizado”: sofre, está otimista, pessimista e, muitas vezes, de mau humor.

Por trás disso repousam dois objetivos, mesmo que inconscientes: o primeiro deles é tentar transpor os interesses do mercado como análogos aos interesses da coletividade como um todo, fazendo crer que o que é bom para o mercado é bom “para todo mundo”. Assim, ficamos aflitos com o movimento da Bolsa, mesmo que no máximo 20% da sociedade brasileira seja investidora, e – na sua grande maioria – com ações que rendem quase nada. Nessa toada, há uma forma sofisticada de identificação de que o que é bom para o mercado é bom para a sociedade através, justamente, do apelo aos mais pobres.

Vejamos o argumento: se os gastos públicos se elevam, tentando ajudar os mais pobres, o mercado reage mal para os protegê-los, já que gastos maiores significam déficits fiscais maiores, o que – por sua vez – elevam a dívida pública do Estado. A Dívida é contraída com o setor privado que, para isso exige uma taxa de juros para seus empréstimos. Caso a dívida seja “alta” (ninguém nunca soube o que é ou quanto é “alto”), esses agentes cobraram juros futuros maiores, o que deprimirá a economia e causará recessão, afetando – justamente – o emprego dos mais pobres, sem contar que a ampliação dos gastos públicos gera inflação que corrói mais, (bingo!), a renda dos mais pobres. Portanto, o mercado emite “sinais” de alerta.

O segundo e principal objetivo é o de fazer política, via mecanismos de terrorismo, como esse previsto acima: caso o Estado gaste inflação, juros e desemprego serão galopantes. A parte dessa relação macroeconômica não ser verdadeira de forma absoluta, há um elemento antidemocrático nessa ação, na medida em que ela interfere no jogo político, embora não seja através dos mecanismos legais, como partidos e associações de classes, mas posando de “neutralidade” e escondendo-se através de algo pouco preciso chamado “mercado”.

O que o “mercado”, por fim, parece não ter percebido, é que não há caminho para a sociedade do futuro e, especialmente para a economia brasileira, que esteja à margem da centralidade do Estado e, nesse momento, do gasto público.

Não existe fórmula pronta, nem sempre o gasto público é capaz de resolver todos os problemas econômicos de uma nação. Porém, nesse momento em que a fome, a extrema pobreza, o desemprego e a forma disfarçadas de emprego são os problemas mais expressivos da sociedade brasileira, apenas políticas públicas que envolvem gastos diretos, investimentos federais e transferências monetárias podem contornar o ciclo de pouca tração do mercado interno, ajudando a soerguer os setores mais dinâmicos da sociedade brasileira.

O “essencial”, nesse momento, é um projeto de sociedade, que alie o crescimento econômico à correção das brutais desigualdades sociais e ao avanço célere da pobreza e extrema pobreza. E o “essencial” foi definido nas urnas. Cabe ao mercado atuar em sinergia para garantir as melhores condições de financiamento desse padrão, escolhido de forma democrática, de reconstrução nacional.

Juliane Furno Mestre e doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), militante do Levante Popular da Juventude e economista-chefe do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa).

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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