marmita de comida

Mulheres negras são as que mais sentem fome no Brasil, diz estudo

Estudo "Prato do Dia: Desigualdades - Raça, Gênero e Classe Social nos Sistemas Alimentares" explicita relações entre alimentação, raça, gênero e classe

Por Beatriz de Oliveira

21|09|2023

Alterado em 21|09|2023

No Brasil, a fome é uma sensação mais frequente para mulheres negras, quando comparadas ao restante da população. Pouco mais de 50% dos lares chefiados por mulheres negras apresentam alguma dificuldade para aquisição de alimentos. Essa constatação provém do estudo “Prato do Dia: Desigualdades – Raça, Gênero e Classe Social nos Sistemas Alimentares”, lançado nesta terça-feira (19) pela FIAN Brasil, organização pelo direito humano à alimentação e à nutrição adequadas.

Através da análise de dados, artigos científicos e narrativas da sociedade civil, o relatório pretende tirar da invisibilidade as relações entre alimentação, raça, gênero e classe. “É urgente olharmos para iniquidades como o racismo, sexismo e classicismo, buscando compreender como essas tecnologias de opressão operam e interagem nos sistemas alimentares, produzindo barreiras e vantagens aos grupos sociais de maneiras distintas”, explica Rute Costa, uma das consultoras da pesquisa. 

A pesquisadora destaca que a superação da fome passa necessariamente pelo combate ao racismo. “A existência de suposta neutralidade racial, social e de gênero na produção da fome é uma falácia, conforme já disse Carolina Maria de Jesus: ‘quem inventou a fome são os que comem’”, diz.

Vanessa Marcondes já vivenciou dificuldades em obter alimentação. Moradora do Morro da Providência, no Rio de Janeiro (RJ), conta que trabalha desde muito nova. “Nem sempre na minha infância eu tive a oportunidade de ter uma refeição completa, e por causa disso enfrentei alguns problemas de saúde”, relata.

Atualmente, Vanessa trabalha na ONG (oganização não governamental) Ação da Cidadania, que se dedica ao combate à fome e promoção da alimentação saudável. “Todos os dias eu agradeço ao chegar e sair do meu trabalho, sou muito grata por poder levar uma refeição de qualidade e feita com muito amor para pessoas em situação de vulnerabilidade”, diz. Além de não viver mais uma situação de insegurança alimentar, a carioca consegue oferecer essa qualidade de vida aos filhos. Com o básico garantido, tem ímpeto para nutrir seus sonhos: quer ingressar em uma graduação.

Outro apontamento do relatório é que a maioria das crianças e adolescentes do país já vivenciaram algum nível de insegurança alimentar. Quando considerados os níveis moderado e grave (com restrição parcial ou severa aos alimentos), o percentual é de 25%. Além disso, os jovens negros apresentam o dobro de frequência da condição de fome, quando comparados aos brancos.

Apesar desses e outros dados evidenciarem a relação entre insegurança alimentar e raça, o relatório “Prato do Dia” constatou que são poucos os textos científicos sobre sistemas alimentares que analisam esses dois conceitos simultaneamente. Dos 34 artigos analisados, apenas três faziam essa relação. O resultado surpreendeu negativamente os pesquisadores.

“Esperávamos encontrar fragilidades, mas não tantos trabalhos que negassem as questões raciais. Parece que uma parte significativa da comunidade acadêmica aborda as questões raciais do lugar de definição do perfil e não como chaves para compreender fenômenos da vida”, conta Rute Costa.

De acordo com o relatório, para superar os problemas da fome no país, é necessário que os espaços responsáveis por políticas públicas deem maior visibilidade aos impactos das desigualdades de gênero, raça e classe nos sistemas alimentares. O texto destaca também o papel dos movimentos sociais em popularizar esse debate e dos pesquisadores em lidar adequadamente com os dados.

Para além disso, o caminho para superação da insegurança alimentar passa pela escuta de mulheres negras, quilombolas e indígenas. “São essas vozes mulheres que precisam apontar a direção para o enfrentamento às iniquidades alimentares, pois são as que vivenciam os desafios cotidianos da insegurança alimentar, as tensões nos territórios, as disputas por terra, entre outros”, pontua Rute.