colagem de fotos de três mulheres negras que atuam nos games

Mulheres negras relatam suas experiências no universo dos games

Racismo e machismo estão entre as dificuldades enfrentadas por elas; entrevistadas dão dicas para quem quer ingressar na área

Por Beatriz de Oliveira

22|08|2024

Alterado em 22|08|2024

O universo dos games ainda é cercado por barreiras como machismo, racismo e solidão, especialmente para mulheres negras. Mesmo inseridas em um ambiente predominantemente masculino e branco, muitas dessas mulheres persistem por paixão aos jogos e pela importância da representatividade que elas trazem.

Segundo a Pesquisa Game Brasil 2024, 64,8% dos jogadores no país pertencem à classe média (B2, C1 e C2). O celular é a plataforma mais usada para acessar os jogos, com 48,8% de adesão. Além disso, mais da metade do público que consome games é composta por mulheres e pessoas negras.

No entanto, a participação de pessoas negras na indústria nacional de games ainda é baixa. Dados da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames) indicam que apenas 7,8% dos colaboradores e 5,8% dos sócios são negros.

Para entender essa realidade, entrevistamos três mulheres negras que atuam de diferentes formas no universo dos games: Layse Brandão, que transmite esportes eletrônicos, Taiane Silva, que faz lives jogando, e Rafaela Martins, produtora de conteúdo sobre games.Confira!

Layse Brandão vive seu sonho sendo a Lahgolas

Layse Brandão, conhecida como Lahgolas, é natural de São Luís (MA) e trabalha com transmissão de esportes eletrônicos, principalmente League of Legends (LoL), na Riot Games, em São Paulo. Também é idealizadora do projeto Revelah Casters, que oferece mentoria para mulheres cis, trans e pessoas não-binárias interessadas em atuar nos e-sports. Ela sempre quis trabalhar com games, mas não acreditava ser possível. Hoje, vive esse sonho. “Todas as vezes que eu chego no meu trabalho, eu lembro porque eu to ali, é quase como se fosse a primeira vez”, conta. 

mulher negra com roupa amarela

Layse Brandão vive seu sonho sendo a Lahgolas

©Bruno Álvares

A maranhense começou a jogar ainda menina, aos cinco anos, e a partir daí, se tornou uma jogadora casual. Até que em 2016, se encantou pelo jogo LoL, passou acompanhar os campeonatos mundiais e a fazer lives streamings enquanto jogava. Realizou as suas primeiras transmissões narrando campeonatos amadores através da Wakanda Streamers, iniciativa voltada a impulsionar a comunidade preta no mundo dos jogos. Um tempo depois, em janeiro de 2021 foi chamada para trabalhar na Riot Games, então largou seu emprego da época e se mudou para São Paulo (SP). 

Por meio das lives streamings, usuários transmitem vídeos ao vivo enquanto jogam

A gamer considera que chegou onde queria em razão de seu esforço e também de uma pitada de sorte, pois o universo dos games é majoritariamente branco e elitista. Apesar de estar exatamente onde almejava, se sente solitária por ser uma das poucas mulheres negras que realiza transmissão de e-sports

Sobre o machismo e racismo existente no meio ela relata: “eu via muita gente reclamando que tinha sofrido ataque de ódio fazendo live porque era uma mulher ou uma pessoa preta. E eu como mulher preta e nordestina tinha muito medo de ter que passar por esse tipo de coisa. Isso foi algo que me freou e me impediu de ter começado mais cedo”.

Entre as coisas que a fazem permanecer apesar das barreiras é o entendimento de que sua presença é sinônimo de representatividade. “Eu recebo muitas mensagens de pessoas que dizem que se inspiram em mim”.

No universo dos games, Taiane Silva virou Athena

De Salvador (BA), Taiane Silva é mais conhecida como Athena. Em suas redes sociais produz conteúdos sobre games e faz lives jogando, principalmente Valorant, jogo de tiro em primeira pessoa. Também é influenciadora do MIBR, organização profissional de esportes eletrônicos.

O gosto pelos games começou ainda na infância. “Meus pais saiam para trabalhar e eu ficava em casa jogando. Lembro até hoje que eu ligava para minha mãe e perguntava ‘posso jogar no computador?’. Eu ligava só pra perguntar isso”, conta e acrescenta que os games foram sua paixão à primeira vista. 

mulher negra faz pose com as mãos

No universo dos games, Taiane Silva virou Athena

©Wilian Olivato

Durante boa parte da vida, Athena viu esse universo apenas como lazer, sem possibilidade de virar um trabalho. Até que alguns amigos sugeriram que ela fizesse lives enquanto jogava. Então, em 2020, ela decidiu embarcar nessa tentativa e passou alguns meses tentando monetizar a produção de conteúdos e lives de games. Criou perfis profissionais nas redes sociais e usou os seus conhecimentos em marketing.

Atualmente, sua única fonte de renda é o trabalho com os games. Athena relata que não é fácil estar em meio dominado por homens brancos, mas se mantém ativa porque tem um propósito: trazer maior representatividade no universo dos games e mostrar que mulheres negras podem atuar nessa área.

Rafaela Martins vive da produção de conteúdo sobre games 

Do Rio de Janeiro (RJ), Rafaela Martins é formada em Psicologia e trabalha com a produção de conteúdo sobre games. Faz parte da Player1, ecossistema de games e e-sports, e da Woohoo Games, canal de games, e-sports e tecnologia. O gosto pelos games veio ainda na infância, por meio do contato com videogames de uma tia. Já a vontade de criar conteúdos sobre esse meio surgiu de um incômodo: Rafaela não via pessoas parecidas com ela nos canais que consumia.

Ser uma mulher negra no universo gamer “é uma provação todo dia, porque basicamente a comunidade não gosta de você”, afirma se referindo ao machismo e racismo existente no meio. “A minha presença, o meu cabelo, os meus traços, têm um peso quando eu estou em um local de games. Eu sei que a representatividade começa a partir da minha presença”, pontua. 

mulher negra de cabelos enrolados pretos com mechas azuis

Rafaela Martins vive da produção de conteúdo sobre games

©reprodução Instagram/@rawrafaela

Rafaela aponta que a falta de recursos financeiros é um dos grandes impeditivos para mulheres negras e periféricas entrarem nesse universo, devido aos altos preços dos jogos e videogames. “Hoje em dia, existem métodos mais fáceis para jogar, mas ainda assim é preciso desembolsar um bom dinheiro para ter um computador que rode os jogos”, diz.

Apesar das dificuldades, a carioca se mantém no meio por saber que está fazendo um bom trabalho. “A Rafaela criança adoraria ver a Rafaela adulta criando conteúdo, porque sempre foi meu sonho”.

Dicas para mulheres negras que querem ingressar no mundo dos games

Pedimos para as entrevistadas darem dicas para mulheres negras que querem ingressar profissionalmente no mundo dos games. Confira as respostas.

Lahgolas 

“Proatividade foi algo que eu usei muito no começo. Eu tentei ser o mais profissional possível, nas minhas redes sociais coloquei uma bio, contato, e foto que aparecesse bem o meu rosto para as pessoas me conhecerem. Comece a montar seu portfólio para chamar atenção e oportunidades”.  

Athena 

“Tenha um propósito muito claro na sua cabeça e acredite no seu potencial. Ser resiliente é importante, porque muitas barreiras vão ser colocadas na sua frente. Vão ter momentos em que você vai querer desistir, mas é importante saber que nós somos necessárias nesse meio. Quem está incomodado com a nossa presença nesses locais, que se mude. Venham, porque a gente precisa de mulheres negras nesse meio!”

Rafaela Martins

“A maior dica é traçar um objetivo e aonde você quer chegar. Você tem que ter consciência de que não vai ser fácil. Se você vê que é isso mesmo que você quer, é preciso ter constância e não parar”.