Maid: 3 cenas para entender a solidão de uma vítima de violência
Regiany Silva convida entrar na história de "Maid" analisando cenas que nos ajudam a entender a condição solitária de uma mãe solo vítima de violência doméstica. Confira!
Por Regiany Silva
22|10|2021
Alterado em 22|10|2021
Sucesso absoluto de audiência, a série “Maid”, produzida pela Netflix mostra o caminho de uma mãe solo fugindo da violência doméstica.
Maid foi lançada no início deste mês e já está entre as 10 produções mais assistidas da história da Netflix. A produção conta a história de Alex, de 25 anos, e da sua filha Maddy, de dois aninhos, na busca pela liberdade.
Os dez episódios da série são inspirados na história real contada no livro “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”, um dos mais vendidos do New York Times.
No início da trama, Alex foge do trailer onde vivia com seu companheiro Sean, no meio da noite, levando sua filha, meia dúzia de dólares e a certeza de que não tiraria mais cacos de vidro do cabelo de Maddy, depois de mais um acesso de raiva de Sean.
O caminho de fuga é tortuoso, acidentado, cheio de montanhas altas para atravessar. A série mostra de maneira visceral e, ao mesmo tempo, cuidadosa e em detalhes, o quanto é difícil sair de uma situação de violência e abuso.
Eu poderia falar sobre inúmeros aspectos importantes que a série traz à tona, mas eu queria te convidar a entrar nessa história analisando algumas cenas que nos ajudam a entender a condição solitária de uma mãe solo vítima de violência doméstica.
1 – Quando Alex depende do carro
Para Alex, o carro significa a possibilidade de se manter em movimento.
©Reprodução / Netflix
O casal vive em uma cidade chamada Port Hampstead, em Washigton, nos Estados Unidos. Não existe nada nem ninguém perto do trailer onde moram. Para fugir, Alex dirige alguns bons quilômetros pela estrada que leva à área urbana. O carro torna-se um dos elementos fundamentais à medida que a própria geografia da cidade impõe a necessidade de longos deslocamentos.
Em momentos da história que ela fica privada desse recurso, Alex enfrenta o aprisionamento e a sensação de paralisia, já que o carro significa a possibilidade de se colocar em movimento.
Uma das primeiras manifestações da violência doméstica é o cerceamento, a privação do direito de ir e vir. Assim como Alex, muitas mulheres se veem imobilizadas, aprisionadas e sozinhas em uma casa, seja porque faltam recursos para fazer a travessia, seja porque falta um novo destino para onde ir.
2 – Quando Alex precisa do pai
A série mostra um complicado arranjo familiar. Alex não pode contar com o pai.
©Reprodução / Netflix
O pai de Alex, Hank, é um personagem importante para entender o contexto de abuso que ela e a mãe foram submetidas durante a vida. A relação dele com a filha, quando existe, é cercada de tensão e dor.
Ao longo de toda a história, Hank demonstra ser muito compreensivo e condescendente com as atitudes de Sean, mesmo presenciando momentos em que o rapaz humilha e violenta Alex. A relação dos dois é de afeto e parceria, bem diferente da relação que Hank tem com a própria filha.
Em diversos momentos que Alex precisa do apoio do pai, a série esfrega na nossa cara como funciona o pacto masculino entre Sean e Hank e somos provocadas a questionar: quem fez um pacto para proteger as mulheres?
Existe um acordo muito claro que garante a proteção de Sean – o menino frágil que tem problemas com álcool – mas ninguém pactuou salvar Alex. Esse pacto da masculinidade se estabelece para garantir que a violência contra mulher possa acontecer sem prejuízos ao agressor. Ele tem uma rede de proteção e cuidado formada, antes de tudo, por outros homens agressores.
3 – Quando Alex enxerga a mãe
Alex não consegue salvar a mãe, assim como a mãe não consegue salvá-la.
©Reprodução / Netflix
Paula, mãe de Alex, é uma peça fundamental da história. Além da impecável interpretação da atriz Andie MacDowell, a personagem provoca incômodos profundos em quem assiste.
Paula é uma vítima crônica de violência doméstica, como Alex mesmo descreve. Mas nomear isso é um processo longo e doloroso, pelo qual Alex passa, mas sua mãe não.
Paula é capaz de romper com os homens, mas não consegue romper com o ciclo de dependência, e tudo se repete, e se repete. Para viver, ela cria uma realidade paralela, fantasiosa e profundamente solitária.
A cena de Alex olhando para a mãe, tentando decifrá-la e salvá-la, é algo que se repete muitas vezes na história. Ambas estão sozinhas, se veem, se enxergam, mas Alex não consegue salvar a mãe, assim como a mãe não consegue salvá-la.
Para encerrar
Maid é sobre atravessar montanhas e sobre mulheres que fazem pactos para salvar mulheres. O principal pacto dessa história é entre Alex e a sua filha, é por Maddy que ela foge a primeira vez, a segunda, e é para mostrar a ela um mundo de possibilidades e direitos que Alex escala as montanhas mais altas.
Mas é preciso apoio na travessia. Alex contou com Denise, Danielle, Regina e outras mulheres que a salvaram quando estava afundada no tapete, perdida no fundo do poço ou sozinha no meio da estrada. Maid me fez pensar quantas vezes eu me senti só diante dos abusos que já sofri e me fez questionar quantas vezes estive disponível e atenta para salvar e proteger outras mulheres.
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