Jogo do Bem-viver ensina crianças a sonhar e agir coletivamente 

Criado por Agnis Freitas, o jogo apresenta ao público infantil o conceito de bem-viver a partir da atuação de mulheres negras

Por Beatriz de Oliveira

31|07|2025

Alterado em 31|07|2025

Um jogo que ensina sobre o bem-viver para crianças. Essa é a proposta de um projeto criado pela pedagoga e pesquisadora de relações étnico-raciais Agnis Freitas, responsável também pela Oguês Educação. O “Jogo do Bem-viver: aprendendo com mulheres negras” mostra que é a partir da coletividade que se sonha e se constroem realidades de bem-estar e justiça social.

A cosmovisão do bem-viver é centrada no coletivo e nasce a partir de comunidades tradicionais. Dentro do contexto do movimento de mulheres negras, o conceito se coloca contra o capitalismo, vislumbrando novas realidades possíveis com justiça, equidade e bem-estar.

“O Jogo do Bem-viver vai trazer os desafios históricos de ser uma mulher negra no Brasil”, afirma Agnis. Para isso, a iniciativa propõe desafios, os quais devem ser resolvidos a partir de recursos que dizem respeito a leis, organizações e coletivos que realmente existem e que, de alguma forma, colaboram para a melhoria da vida das mulheres. A cada desafio superado, os jogadores ganham cartas de bem-viver – a pontuação do jogo.

Para definir a estratégia no jogo, os participantes devem ter como base a sua missão secreta, cujas cartas apresentam a atuação de alguma mulher negra relevante na sociedade. “Então, a pessoa que está com a missão secreta da Sueli Carneiro vai ter que jogar cartas de ativismo; já a pessoa que está com a missão secreta da Conceição Evaristo vai ter que jogar uma carta de arte ao longo do jogo”, explica.

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Carolina Melo e Agnis Freitas no lançamento do jogo © Daisy Serena

O Jogo do Bem-viver foi lançado no dia 25 de julho © Daisy Serena

Jogo ensina conceito de bem-viver para crianças © Daisy Serena

Ao todo, 18 mulheres podem ser apresentadas ao longo do jogo: Antonieta de Barros; Beatriz Nascimento; Conceição Evaristo, Dona Ivone Lara; Érica Malunguinho; Erika Hilton; Esperança Garcia; Jurema Werneck; Laudelina Campos Melo, Leci Brandão; Lélia Gonzalez; Mãe Bernadete; Marielle Franco; Mercedes Baptista; Nilma Bentes; Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva; Raquel Trindade; Sueli Carneiro; Tasha & Tracie; Virgínia Bicudo.

Já as cartas de recursos se dividem em cinco eixos: ativismo, ancestralidade-axé, educação, intelectualidade, meio ambiente e saúde. Uma das cartas, por exemplo, coloca o Nós, mulheres da periferia como recurso de educação e ativismo. Na carta, há a seguinte explicação: “A Nós, mulheres da periferia é um veículo de informação que compartilha notícias importantes para mulheres negras e periféricas”.

carta de Jogo do Bem-viver escrito

Carta que faz referência ao Nós, mulheres da periferia

©Daisy Serena

A pedagoga conta que a criação da iniciativa foi inspirada no manifesto da 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, movimento que acontecerá em novembro deste ano, em Brasília. Um trecho do documento diz: “as mulheres negras estão há séculos forjando formas de Bem Viver dentro de nossas comunidades e territórios, com tenacidade, energia e a perspectiva de que as transformações que precisamos só podem ocorrer a partir do protagonismo das mulheres negras”. 

O Jogo do Bem-viver foi lançado no dia 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A idealização e coordenação geral são de Agnis Freitas; a pesquisa e formação, de Carolina Melo; a contabilidade e produção executiva,  de Jefferson Sankofa; a edição, preparação e revisão textual, de Cely Pereira; e a direção de arte, ilustrações e diagramação, de Silvana Martins. Em 2023, Agnis já havia lançado outro jogo com protagonismo de mulheres negras: o Gira Samba, que ressalta a atuação de sambistas. 

O bem-viver é coletivo 

O desenvolvimento do projeto foi feito a partir do Programa de Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), da prefeitura de São Paulo, e de uma residência que Agnis participou na Casa Sueli Carneiro.

O processo começou com encontros realizados com uma turma do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do Grajaú, na zona sul de São Paulo. “A ideia era apresentar para essa turma o significado de ser mulher negra, de entender quais são os desafios que as mães, as avós, as tias deles têm diariamente para manter a casa minimamente saudável, com comida na mesa; mas também pensando quais são os recursos históricos que temos para de alguma forma superar esses desafios”, pontua.

Nas primeiras conversas, os estudantes associaram o papel da mulher apenas ao cuidado da família e da casa; mas ao longo das atividades ampliaram a percepção sobre a participação política, social e cultural das mulheres na sociedade.

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Vivência em escola pública foi ponto de partida para criação do jogo © Oguês Educação

Vivência em escola pública foi ponto de partida para criação do jogo © Oguês Educação

Vivência em escola pública foi ponto de partida para criação do jogo © Oguês Educação

Vivência em escola pública foi ponto de partida para criação do jogo © Oguês Educação

Já quando questionados sobre o que achavam que significa “bem-viver”, os alunos respondiam coisas relacionadas à ascensão pessoal, como ficar rico ou comprar um bom carro. O jogo vem para mostrar que também é possível sonhar condições de vida melhores para toda a sociedade.

“O bem-viver na perspectiva das mulheres negras é essa percepção de coletividade, o entendimento de que para estar vivo, você precisa do todo. E o jogo traz isso, para superar o desafio, você precisa do grupo. O grupo precisa estar junto para conquistar o bem-viver”, diz.