Janeiro Branco: ‘pensar em saúde mental é pensar no coletivo’
Psicóloga comenta importância da campanha Janeiro Branco e adoecimento mental das mulheres
Por Beatriz de Oliveira
08|01|2025
Alterado em 08|01|2025
O começo de 2025 deu início também ao Janeiro Branco, campanha em prol da conscientização da saúde mental e emocional da população. Neste ano, o tema é: “O que fazer pela saúde mental agora e sempre?”. Conversamos sobre o assunto com a psicóloga clínica Natália Silva, fundadora do Grupo Reinserir Psicologia, uma clínica de atendimento psicológico com ênfase em questões raciais, de gênero e sexualidade.
A psicóloga destacou que desigualdades presentes na sociedade influenciam no adoecimento mental da população, principalmente pensando em mulheres negras e periféricas. Pontuou também que o cuidado com a saúde mental exige ações coletivas e de enfrentamento às desigualdades.
Natália Silva é psicóloga clínica e fundadora do Grupo Reinserir Psicologia
©arquivo pessoal
Confira a entrevista completa.
Nós: O que é o Janeiro Branco e porque é importante prestarmos atenção nessa campanha?
Natália Silva: Janeiro Branco é uma campanha voltada para a conscientização e promoção da saúde mental. O mês de janeiro não foi escolhido à toa, é um mês em que as pessoas estão mais propensas a pensar sobre si, sobre metas e cuidados.
Por muito tempo, o debate da saúde mental era um tabu, algo estereotipado e cheio de preconceitos. Por isso, a campanha tem o objetivo de trabalhar com os medos que as pessoas têm acerca da saúde mental. É importante que tenhamos essa campanha para que possamos falar sobre ansiedade, depressão e burnout; para que possamos identificar sintomas e comportamentos que estão nos gerando sofrimento.
Demandas de saúde mental não são fáceis, mas tornam-se mais combativas quando entendemos o que estamos sentindo e buscamos ajuda na rede de apoio, família e profissionais de saúde.
Nós: O tema da campanha deste ano é “O que fazer pela saúde mental agora e sempre?”. O que esse questionamento nos leva a refletir?
Natália Silva: A reflexão é de que a temática da saúde mental não é algo pontual e que demandas de saúde mental sempre vão existir. Devemos pensar em estratégias e ações que visem esses cuidados a curto, médio e longo prazo.
Cuidar da alimentação, fazer atividade física e beber água são itens importantes, mas a questão da saúde mental vai além de ações individuais. Estamos numa sociedade pós-pandêmica – em que muitas pessoas perderam seus empregos -, estruturalmente machista, homofóbica e racista; isso atravessa as relações de trabalho e afetivas, que geram sofrimento nos sujeitos. Há ausência de garantia de direitos, acessos e possibilidades. Enquanto coletivo, precisamos nos articular para pensar nesse contexto, o que envolve implementação de políticas públicas efetivas. Pensar em saúde mental a médio e longo prazo é pensar no coletivo.
Nós: O relatório “Esgotadas: empobrecimento, a sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres” da ONG Think Olga, publicado em 2023, mostrou que 45% das mulheres brasileiras têm um diagnóstico de ansiedade, depressão, ou outros tipos de transtornos mentais. Quais fatores nos ajudam a entender dados como esse?
Natália Silva: Há uma série de fatores que vão justificar a prevalência do adoecimento mental das mulheres, como a sobrecarga doméstica, o cuidado compulsório da família que é direcionado à figura da mulher, o machismo presente dentro das organizações, trabalhos operacionais e subempregos, violência de gênero.
Por isso é importante quebrar paradigmas ao falar sobre saúde mental, oferecer espaços acessíveis e humanizados para essas pessoas, romper com aquele discurso de que a gente precisa ser forte o tempo inteiro.
Nós: E olhando especificamente para mulheres negras e periféricas, há pontos a serem considerados em relação ao adoecimento da saúde mental?
Natália Silva: Todos esses fatores que eu citei na resposta anterior se potencializam quando a gente fala de mulheres negras. Outro ponto é que tanto as desigualdades sociais quanto o racismo estrutural atravessam também as instituições de saúde, por isso a importância de espaços especializados em demandas de classe, raça e gênero; para que essas mulheres que já chegam adoecidas pelas opressões não tenham novamente a reprodução dessas violências no espaço terapêutico.
Nós: Para quem quer começar a cuidar da saúde mental nesse ano que se inicia, quais são os caminhos possíveis?
Natália Silva: Ações individuais como praticar atividade física, cuidar da alimentação e fazer exames de rotina são possibilidades potentes. Mas eu diria para ir além, buscando espaços de cuidados em saúde mental críticos, que convoquem essa mulher a entender que as ações individuais são importantes, mas que toda a estrutura que nos abraça também é responsável pelo nosso adoecimento.