Festival de Fotografia disponibiliza ‘Agenda Visual do Meio Ambiente’

A colunista Marcela Bonfim dá detalhes sobre a mostra virtual "Agenda Visual do Meio Ambiente" que conta com a participação de mais de 130 artistas compositores da região norte e de todo o Brasil.

20|04|2022

- Alterado em 17|05|2024

Por Marcela Bonfim

Com a entrada de nossos corpos tidos sujeitos, no campo da produção e da circulação da fotografia, todos os meios e ambientes orientados ao fluxo da visualidade, têm se deparado com uma enxurrada de questões e reflexões acerca do processo de racialização de nossas próprias identidades.

Tocar na segregação dos corpos-imagens, tem nos levado a perceber por onde trafegam os planos de seletividade no âmbito do privilégio e da polarização de nossos sentidos, tidos ao avesso de um suposto lado “certo” ou lado “bom” da questão e diretamente relacionado a uma cultura branca da visualidade, sempre no topo das vantagens.

‘Sendo o imaginário um grande paradigma de uma sociedade visual, alcançar detalhes que nos levem para além do visível, significa também perceber as camadas estruturais do próprio espaço; ou como funciona sua cultura em meio ao meio ambiente, onde se organizam os corpos e  seus movimentos visuais, inclusive dissolvidos à mecânica que os segregam em suas próprias identidades.

No caso da Amazônia, a própria forma de pensar as paisagens locais, desarticulada das imagens humanas que compõem esses espaços, tem distanciado ainda mais a relação entre a natureza e a identidade de seus povos, invisibilizados pelo lado de fora, exatamente onde são tomadas as principais decisões sobre esses ambientes, invadidos pelo interesse de seus meios, condenados à ideia de reserva.

Resistindo ao desenvolvimento, tanto do lado de dentro, quanto do lado de fora das tantas Amazônias, o meio ambiente tem suportado o peso do concreto, oscilando de um extremo a outro, como o despontar de um suspiro para a vida, e não para a economia. Restando-nos refletir do porquê então concentrar a pauta climática na Amazônia?

Ao refletir a questão, encaixamos a escrita à participação de um grupo de artistas visuais, na quinta edição do “Festival Fotografia em Tempo e Afeto”, fazendo de suas imagens instaladas pela cidade de porto Velho, em suporte lambe-lambe, na ocasião da Mostra a Céu Aberto da Cultura da Visualidade, meios e ambientes propícios para uma reflexão conjunta; além de (re)conhecer as sombras que ainda permeiam nossos imaginários; com as mais possíveis relações visuais, todas disponíveis na Agenda Visual do Meio Ambiente, composta por mais de 130 artistas nos formatos de vídeo, mostra virtual e catálogo on.

GALERIA 1/6

Muro do entorno da Praça do Mocambo. Porto Velho, Rondônia. © Geane Tavares

Visitantes da Mostra a Céu Aberto da Cultura da Visualidade de Porto Velho. © Saulo de Sousa

Galeria 2: Corpo-Natureza. © Saulo de Sousa

Galeria 3: fotos contadoras de história. © Geane Tavares

Galeria 5: Galeria Translúcida. © Geane Tavares

Sendo as sombras uma forma de proteção para as florestas, na preservação e manutenção da temperatura global […] percebemos a metáfora da reprodução da vida na natureza, representada pela mata preservada como um grande útero materno onde a vida se desenvolve.” Proposto por Rogério Assis (PA), dando tom à “Galeria Escura; sacada e nomeada pelo artista visual Washington da Selva (BA); assemelhada a “essência lúdica, marcada pela liberdade, espontaneidade e autonomia no brincar, descreve Paula Giordano (PA), refletindo o universo de uma criança em seu envolvimento com as árvores, por exemplo, dando sentidos à vida como uma perfeita encantaria, encontrando os próprios meios de enxergar o mundo.

Sombras que também guardam a força das identidades e das tradições, vistas a partir da imagem proposta por Kain Juma (RO), na documentação da mobilização dos povos indígenas em 2021; ato contra a tese do Marco Temporal que visa acabar com a demarcação das terras indígenas, tornado essas mobilizações o meio ambiente propício para articulação e de luta desses povos, constantemente usurpados em seus territórios.

Território que Israel do Vale (RO), ao observar esses povos, percebe a perfeita harmonia com a Natureza, defendendo e usando seus recursos de maneira responsável, para sua subsistência e fortalecendo os laços históricos e culturais.

“Os povos indígenas são declarados pela ONU (Organização das Naçãoes Unidas) como os ”guardiões da floresta”. Nossas vidas, nossa história e nossa cultura é a floresta. O sagrado vem da floresta. Não existem povos indígenas sem floresta e não existe floresta sem povos indígenas, somos um. Somos e sempre seremos. Minha ancestralidade vem das árvores, dos rios, da terra, da mata. Minhas fotografias indicam o meu ambiente, que é a floresta, cultura, luta, mulheres e também ancestralidade”. Narra o ambiente em que vive, a fotógrafa e jovem liderança indígena, Pi Suruí (RO), aproximando os meios acadêmicos de pensar a questão, e também atravessando Eder Lauri (RO), professor e fotógrafo; também compositor da Galeria “Bem viver: resistências e vivências contemporâneas, construindo junto com Pi, pontes entre o ativismo e a educação. 

Entre pontes sobre abismos… também coexistem os meios de Aline Motta (SP), ao atravessar o lado oculto de um ambiente familiar. Se tudo que fazemos na vida é atravessar abismos, este projeto é sobre pontes. Pontes de palavras e imagens, pontes de busca por entendimento. Pontes sobre o Atlântico… É um projeto que fala sobre a minha família, mas poderia falar também da sua. Como a de Lia Krucken (BA), por exemplo; ao localizar contextos imersos às águas como um ambiente familiar; totalmente à deriva do futuro, mas guiada pelas fotos contadoras de história inundando a galeria 3, com águas de um lago profundo, surgido aos solfejos, ao ouvimos as letras da yalorixá Marlene de Nanã (BA): 

As fotos contam histórias. As fotos são contadoras de histórias.

As fotos conversam entre si. Não têm a mesma origem de motivo, mas têm a mesma inspiração. 

Além de história, as fotos também contam e quebram paradigmas, como o milagre de esquecer a sexualidade o quanto antes. / Amor de família. / A cerca de metal que sobe as pernas. / Violência sexual. / Reparação de cabelo nas costas. / Laços de pernas com saltos. Ou seja, ambientes nada translúcidos vivenciados por Rodrigo Masina Pinheiro e Gal Cipreste Marinelli (RJ); rearticula-dores de seus próprios meios, em meio à potência reflexiva de seus corpos, e do desejo traduzido em suas visualidades, articulados por Ana Lira (PE); e translúcidos à galeria 5.   

Fotografias que contam sobre homens e mulheres sem face, nem nome. Seus rostos se misturam a outros seres, rios, estradas, florestas e as coisas do mundo. Sua identidade se inscreve e se impõe pela força do corpo e da sua relação com o ambiente. Esses seres sem rosto, nem nome, somos NÓS, todos parte de uma natureza só”. Conta Paula Sampaio (PA), em meio às memórias da Transamazônica; ambiente onde repercutiu ainda mais a sua natureza documental, como de quem faz do meio ambiente um escudo; uma leveza; corpo-natureza. Assim, são os muros quando recebem as imagens da Galeria 2, diluída em meio, e todo; pois, o ambiente é meio e é todo, nele estamos, vivemos e morremos, observa Luiz Camillo Osorio (RJ): 

É bonita a ideia de uma exposição nas frestas da cidade e do mato. As fotografias preenchem os buracos entre o que ainda não é e o que já foi – entre tudo por fazer e o já arruinado. A natureza brota junto à palavra lixo. É forte isso.

Como pássaros juninos, melodramas teatrais de Belém, lembrados por Wanda Marques (PA), trazendo das sombras o nosso desconhecimento; de culturas que dizem sobre as nossas identidades; para além dos festejos juninos; mas na comunicação entre os elos que essas culturalidades registram, em nosso espaço/tempo. Isto, não visto e nem pensado do lado de fora, e muitas vezes do lado de dentro. Muros imaginários, preenchidos de luzes, todas ofuscadas à ideia de “conhecimento”; alheias ao passo anterior, o (re)conhecimento.

Assim, as identidades criam seus próprios mundos, mesmo convivendo restritas a um caos; mas diferentes dos muros criados pelo mundo afora, os promotores das questões caóticas, ao tentar separar e evitar o reconhecimento que é transitar em imagem, cultura e identidades. Pela racialização de nossos corpos; por onde se apoiam estruturas visuais que invisibilizam homens e mulheres em seus próprios espaços/tempos, seja pela ideia de meio ambiente ou pela noção de desenvolvimento.  

“[…] A poética da Relação (que é, então, uma parte da estética do caos-mundo) pressente, supõe, inaugura, reúne, espalha, continua e transforma o pensamento desses elementos, dessas formas, desse movimento. Desestruture esses dados, anule-os, substitua-os, reinvente sua música: o imaginário da totalidade é inesgotável e sempre, e em todas as formas, completamente legítimo, ou seja, livre de qualquer legitimidade.” Luiz Camillo Osorio (RJ)

Isto é, ao compor com as possíveis identidades imersas ao caos e à própria continuidade, poderíamos conhecer um caminho mais seguro e promissor de como se pensar soluções e proteções ambientais para cada lugar; contando por dentro com a cultura e a visualidade, como extensão e continuidade do mundo que alcançamos em cada lugar. 

Ainda assim, identidades vivem às sombras do meio ambiente. Que por sua vez, se esconde entre as asas da Amazônia; que é encoberta por várias camadas de estigmas; encobrindo ainda mais o que existe de fato; que inclusive é manipulado por ideias soltas que que se ouve falar. Deixando de reconhecer o que é valioso de fato, as identidades locais, e seus atributos que podem alavancar as condições de um país. Isto é, a diversidade. Completamente diferente do que acontece em meio aos monopólios, às monoculturas.

Por fim, a ideia da composição é também um ato-desejo de ver a língua do povo falar; de se expressar, tanto em imagem, quanto em sentidos. Pois quando isso acontece, também enxergamos a cara de um país, e suas potências. Que são propriedades desses lugares, sendo a imagem, sobretudo, o que não vemos; como a Amazônia que criamos e reproduzimos imaginariamente sem ver. E porque não (re)conhecer? 

A invisibilidade é um extremo risco ao Brasil, e também a Amazônia, onde existem identidades que não conhecemos pelo simples fato de não reconhecer a importância que as identidades representam para o próprio meio ambiente que é o mundo!   

Ademais, acessar o reconhecimento, tem sido a luta desses lugares, sombreados pela própria ideia de invisível; desaparecendo desses lugares, mas sendo seus meios e ambientes, não vistos, mas prestativos às identidades do futuro dessas amazônias, desses meios e ambientes, desse mundo, desse país. 

Marcela Bonfim É economista e vive em Rondônia. Adquiriu uma câmera fotográfica e no lugar das ideias deu espaço a imagens de uma Amazônia afastada das mentes do lado de fora. Escreve sobre imaginários, imagem, negritude.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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