Foto mostra mulher com cara preocupada por conta de dívida

“Eu estava apaixonada e acreditei”: quando o relacionamento vira dívida

Pesquisa revela que prejuízos financeiros não são exceção entre as mulheres brasileiras. 32% das entrevistadas já se endividaram por causa de relacionamentos amorosos

Por Amanda Stabile

09|05|2025

Alterado em 09|05|2025

Joana* aceitou fazer um carnê de quase R$4 mil em seu nome. Marina* emprestou o cartão, o limite da conta e ainda fez um empréstimo bancário. Ambas tiveram de lidar sozinhas com os prejuízos — financeiros e emocionais. Casos como os delas não são exceção no Brasil.

Uma pesquisa realizada pelo Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box revelou que 32% das mulheres brasileiras entrevistadas já se endividaram por causa de relacionamentos amorosos. O levantamento, que ouviu 1.732 mulheres de todas as regiões do país, escancara o impacto de relações abusivas e desiguais;

Os números indicam que 25% das entrevistadas fizeram empréstimos para ajudar ou agradar o parceiro, enquanto 20% compraram presentes acima do orçamento na tentativa de conquistar alguém. E 15% afirmaram que compraram mimos que nunca chegaram a entregar — porque o relacionamento acabou antes. Em outra face da idealização afetiva, 7% tatuaram o nome do companheiro no corpo.

Por trás de cada porcentagem, há uma história como a de Joana*, de 41 anos, que viveu essa realidade durante um relacionamento que durou apenas três meses, mas foi tratado pelo parceiro como casamento desde o início. Apresentava Joana como esposa, falava em filhos e anunciava planos de casamento sem consultá-la. Diante da pressão psicológica constante, ela acabou cedendo ao casamento e às dívidas.

“Eu tive medo de ficar endividada, mas vê-lo trabalhando e fazendo planos, me deu uma confiança de que ele estava falando a verdade”, conta. “Ele dizia que cuidaria de mim e da minha filha. Eu ganhava pouco como estagiária e ainda assim ele fazia eu gastar o que tinha, dizendo que era só confiar”.

Certo dia, foram juntos comprar os eletrodomésticos em nome de Joana, porque o CPF dele estava negativado. “Eu estava apaixonada e acreditei. Era quase R$4 mil em parcelas. Um mês depois, ele começou a mudar, ficou agressivo, frio. Dois meses depois terminou tudo por telefone”, recorda.

Ela então passou a receber cobranças incessantes da loja, enquanto enfrentava uma crise emocional profunda. Chegou a ter depressão, problemas de saúde persistentes e foi julgada por familiares e colegas. Descobriu depois que ele já estava em outro relacionamento e que a nova parceira o incentivava a não pagar as parcelas.

“Ele dizia pros amigos que eu usava as ligações pra manter contato, porque não tinha superado o término”, lembra. “Me entregou o carnê quitado durante uma reunião de trabalho, diante de uma equipe composta por um monte de amigos dele. Quis me dar lição de moral, me constranger, dizendo pra eu prestar bem atenção no que eu ia fazer com o boleto, que deixasse ele em paz”.

O caso de Marina*, de 36 anos, mostra como essa dinâmica pode se repetir por anos. Ela viveu um relacionamento marcado por violência psicológica, ciúmes, possessividade e manipulação financeira durante quatro anos. Não moravam juntos, mas ela se envolveu profundamente.

“Foram várias as vezes que emprestei dinheiro. Ele tinha dívidas com jogo, vivia com o carro quebrado. Usei meu cartão pessoal, ele zerou minha conta. Fiz até empréstimo bancário para ele montar uma oficina de costura depois da pandemia”, conta.

O relacionamento era marcado por agressões verbais, ciúmes excessivos e episódios de violência psicológica. Após o fim definitivo — e a descoberta de uma traição —, Marina entrou em depressão e viu seu nome parar no Serasa. Ela então procurou ajuda psicológica e foi atendida no Centro de Defesa e Convivência da Mulher (CDCM), onde começou a entender os tipos de violência que havia sofrido. 

“Atualmente sigo com um processo em andamento para de alguma formas tentar ressarcir esse prejuízo. Mas as marcas foram tão profundas, que acredito que dinheiro nenhum irá sanar. Enfim, sigo fazendo acompanhamento psicológico para lidar com essas marcas”, conclui.

Esses casos ilustram as diversas formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência financeira. A Lei Maria da Penha classifica essas situações como “violência patrimonial“, mas muitos casos não são registrados, pois as vítimas, frequentemente, deixam de denunciar por vergonha, falta de conhecimento ou outras razões.

BOX: “A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” – Lei nº 11.340/2006, Art. 7º, inciso IV

*Nomes fictícios para manter o anonimato das entrevistadas.