Desafios persistem para as trabalhadoras domésticas mesmo após a carteira assinada
Trabalhadoras domésticas contam que trabalho com carteira assinada traz maior segurança, mas há casos em que empregadores se negam a pagar todos os benefícios devidos
Por Beatriz de Oliveira
07|06|2023
Alterado em 16|06|2023
Após ampla luta, trabalhadoras domésticas conquistaram, na década de 2010, a igualdade de direitos trabalhistas em relação às demais categorias e a obrigatoriedade de receber benefícios como recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), fixação da jornada de trabalho em oito horas diárias e 44 horas semanais, férias, pagamento de hora extra e décimo terceiro salário. Essas regras estão previstas na Emenda Constitucional nº 72, de 2013, e na Lei Complementar 150, de 2015.
Com a regularização ficou estabelecido que a pessoa que trabalha por mais de dois dias por semana numa mesma residência é considerada uma trabalhadora doméstica e, portanto, deve ter sua carteira de trabalho assinada e seus direitos garantidos. Isso difere da situação das diaristas, que prestam serviços em várias residências e não tem vínculo empregatício.
Apesar dos avanços na legislação, a realidade ainda é desfavorável para essa categoria. De acordo com dados de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 76% das trabalhadoras domésticas não possuem carteira assinada, o que corresponde a mais de quatro milhões de mulheres.
Floripes Santos, trabalhadora doméstica, já atuou das duas formas, com e sem carteira assinada. Ela relata que o trabalho como diarista gerava angústia devido incerteza sobre a demanda por serviços e instabilidade com a remuneração de cada mês.
Por outro lado, afirma que um emprego com carteira assinada oferece maior segurança, com a devida proteção de direitos como seguro-desemprego, auxílio-doença e aposentadoria. Apesar de receber uma média menor do que como diarista, ela considera essa modalidade a melhor escolha. Ano que vem, inclusive, Floripes vai dar entrada em sua aposentadoria.
Floripes Santos é trabalhadora doméstica com carteira assinada
©arquivo pessoal
Natural de Salvador (BA), Floripes Santos começou a trabalhar como doméstica aos oito anos de idade. Décadas depois, ela relata com nitidez o sofrimento que enfrentou na época: comia pouco, recebia ameaças de agressão, e foi privada do direito à educação. “Não me davam leite, carne, café, uma fruta, nada”.
Nos anos 90, mudou-se para São Paulo (SP), onde trabalhou em vários empregos temporários e sem carteira assinada: diarista, auxiliar de alfaiate, vendedora em loja e cozinheira. Até que uma amiga a indicou para o cargo de trabalhadora doméstica para uma família, onde teve sua carteira assinada e direitos garantidos. Floripes está no mesmo emprego há 23 anos.
Quatro anos sem férias e décimo terceiro
No entanto, mesmo com a maior segurança trazida pelo emprego com carteira assinada, trabalhadoras domésticas relatam dificuldades de acesso aos seus direitos.
Trabalhadora doméstica há quase 30 anos, a baiana Alvina Silva conseguiu seu primeiro emprego com carteira assinada em Campinas (SP), onde mora até hoje. Essa primeira experiência foi justamente numa “casa de família”. Ficou quatro anos trabalhando e morando. Quando foi dispensada, buscou o sindicato para entender se sua rescisão estava correta e descobriu que seus direitos foram desrespeitados. Em quatro anos, Alvina nunca tirou férias e não recebeu décimo terceiro salário. Os empregadores se negaram a pagar os valores devidos.
“Pra quem morava lá na roça, e ganhava bem pouquinho, tipo R$ 5 por dia, pra chegar aqui em Campinas e ganhar R$ 200 ou R$ 300, pra mim era um dinheirão. Então, eu achava que era muita coisa, que tava ótimo”, relata.
Naquela época, teve medo de levar o caso à justiça, pois foi ameaçada pelo empregador. Hoje, Alvina afirma que faria diferente, pois conhece seus direitos e não abre mão deles. Por isso, ressalta a importância da categoria buscar informações sobre seus direitos e benefícios. “Se a gente é mandada embora, temos o FGTS, o que é muito importante. Quando sofre um acidente, tem o INSS”, exemplifica.
Alvina Silva enfrentou dificuldades em seu primeiro emprego com carteira assinada
©arquivo pessoal
Problemas com folgas, registro em carteira e pagamento
Quando se mudou de Senhor do Bonfim (BA) para Sumaré (SP), Gildete Cavalleri já tinha emprego garantido como babá. Sua carteira de trabalho foi assinada pela família que a contratou. Mas algumas exigências do trabalho a desagradavam: ela tinha que acompanhar a família em viagens aos finais de semana e feriados e não tinha direito a folgas nos finais de semana.
Quando se tornou mãe, a Gildete deixou de trabalhar em alguns fins de semana, mesmo a contragosto da empregadora, o que resultou em sua demissão. No entanto, meses ela foi recontratada. Com o passar dos anos e com o crescimento das crianças da casa, Gildete deixou de exercer a função de babá e passou a trabalhar em serviços de limpeza, como empregada doméstica. Mas sua carteira de trabalho não foi atualizada e continuou registrada como babá.
Ao longo de quase 20 anos trabalhando para a mesma família, ela conta enfrentou dificuldades para garantir alguns de seus direitos. Ela não tem certeza se o valor de suas férias eram pagos corretamente, uma vez que a empregadora realizava o pagamento na última hora, pouco antes do fim do horário de trabalho de Gildete. Além disso, a ela também tinha que lembrar constantemente a patroa de lhe passar o dinheiro para transporte.
Demitida há alguns meses, Gildete lamenta também que sua ex-empregadora ainda não tenha lhe fornecido os recibos de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e justifica que não está conseguindo encontrá-los. Diante dessa situação, ela se sente magoada, afirmando: “eu fiquei muito triste, foram tantos anoa e ela deixou tudo pra cima da hora”.
No momento, a trabalhadora aguarda o recebimento do seguro-desemprego, ao qual tem direito a três parcelas. Ela reivindica que o correto seria o recebimento de cinco parcelas, assim como acontece com outros trabalhadores com carteira assinada. Seu objetivo atual é encontrar um emprego na área da educação para exercer o que aprendeu cursando Pedagogia enquanto trabalhava como doméstica.
A trabalhadora doméstica Gildete Cavalleri está desempregada atualmente
©arquivo pessoal
É possível consultar direitos pelo celular
Ao observar que não teve todos os direitos garantidos, as trabalhadoras domésticas podem iniciar uma ação trabalhista contra os empregadores para que receba os valores devidos. Isso pode ser feito em até dois anos após o fim do vínculo empregatício.
Há diferentes formas de verificar se os benefícios devidos estão sendo destinados da maneira correta. Para consultar contribuições ao INSS, por exemplo, basta acessar o aplicativo Meu INSS e buscar a opção “Extrato previdenciário”. Já para verificar o recolhimento do FGTS, a orientação é acessar o site da Caixa Econômica Federal, ir à na sessão “FGTS e serviços ao cidadão” e selecionar a opção “Extrato”.
Mais uma dica é o aplicativo Laudelina. Criado pela Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos (Fenatrad) e pela Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, o aplicativo permite que as trabalhadoras domésticas acessem uma calculadora de salário, benefícios e rescisão contratual; além de um manual de direitos e canais de denúncia.
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