desmoronamento, tragédia em São Sebastião

Culpa da chuva? 4 pontos para entender a situação de São Sebastião

Alagamentos e deslizamentos de terra marcaram o final de semana no litoral norte de São Paulo.

Por Beatriz de Oliveira

23|02|2023

Alterado em 24|02|2023

Durante o último fim de semana, moradores e turistas localizados no litoral norte de São Paulo enfrentaram fortes chuvas e alagamentos. Foi a chuva mais intensa já registrada no país em 24 horas, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). 54 pessoas morreram na tragédia, a maior parte delas moradoras da Vila Sahy, em São Sebastião, ocupada por trabalhadores locais.

Imagens de alagamentos e desmoronamentos em contexto de fortes chuvas têm se tornado cada vez mais intensas no país, o que pode trazer questionamentos sobre mudanças climáticas, racismo ambiental, e até mesmo sobre o que leva pessoas a morarem em áreas de risco.

Para responder a quatro dúvidas frequentes sobre o assunto, conversamos com Fernanda Pinheiro, geógrafa, doutoranda em Planejamento e Gestão de Território e consultora do Instituto de Referência Negra Peregum para discussões sobre clima e cidade.

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Fernanda Pinheiro é geógrafa e doutoranda em Planejamento e Gestão de Território

©arquivo pessoal

Confira!

1. Por que é errado usar argumentos como: “mora em área de risco porque quer, sabia desde o começo que poderia perder tudo”?

Morar em área de risco não é escolha, é necessidade. Na nossa sociedade a moradia é tratada como mercadoria. “Isso significa que as pessoas que vivem com salários baixos não escolhem. Elas caminham em direção aos terrenos em que o salário delas permite acessar um domicílio”, explica a geógrafa.

Em reportagem publicada pelo Nós, mulheres da periferia em junho de 2022 sobre chuvas em Pernambuco, uma das entrevistadas, que vivia próximo a regiões com alagamentos, afirmou: “As pessoas não vão construir as casas em áreas de risco porque elas acham massa. Onde é que vão construir? Com certeza, ninguém gostaria de estar com uma casa ali em uma área que a qualquer hora pode cair.”

2. O que tragédias como essa tem a ver com as mudanças climáticas?

Com as mudanças climáticas, causadas por ações humanas, ocorre a intensificação de eventos como alterações no regime de chuvas, alagamentos, maiores períodos de estiagem e elevação do nível do mar.

De acordo com o relatório de 2022 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento da temperatura global de 1,1°C visto atualmente causa consequências irreversíveis em todo o mundo. Estima-se que nos próximos dez anos, as mudanças climáticas vão colocar entre 32 milhões e 132 milhões de pessoas na extrema pobreza.

O relatório também apontou que em países com maior vulnerabilidade, há 15 vezes mais risco de morte por inundações, secas e tempestades do que em países com maior estrutura.

3. Por que as populações negras e pobres são as mais afetadas?

A cada ano vemos notícias de enchentes e deslizamentos de terra que destroem casas e famílias, e na maioria quem chora pelas perdas são pessoas negras. Segundo estudo de 2018 da Climate Trends, empresa indiana que pesquisa clima, pessoas em região de baixa renda têm sete vezes mais chances de morrer por situações impostas pelas mudanças climáticas do que populações em região de alta renda.

Essa desigualdade tem nome: racismo ambiental. “Falar sobre racismo ambiental é falar sobre a exposição desproporcional de pessoas negras e indígenas a situações de risco e poluição de variados tipos”, explica Fernanda.

A geógrafa explica que de maneira geral esse tema só é discutido quando acontecem situações de desastres, como as que vimos nos últimos dias. Mas, por se tratar de um conceito político importante que coloca a questão de raça no centro do debate, o racismo ambiental deve estar sempre presente nas discussões ambientais, levando em consideração a realidade social brasileira.

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Desmoronamento causado pelas chuvas no bairro Itatinga, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo.

©Rovena Rosa/Agência Brasil

4. Quais as principais ações que devem ser tomadas pelo poder público para evitar situações de alagamentos, desmoronamento de casas e mortes no contexto das fortes chuvas?

É preciso investimento público para colocar em prática ações de atenção emergencial e mitigação de risco. Além disso, é necessário planejamento para lidar com os diferentes tipos de risco, como alagamento, estiagem, deslizamento de terra e contaminação. A saúde mental da população que vive em área de risco é mais um ponto de atenção, segundo Fernanda. “Tem um conjunto de medidas, não existe uma saída só”, resume.

Num contexto de mudanças climáticas globais, em que situações de desastres já são previstas por variados estudos, e se tornam cada vez mais frequentes, é errado resumir a culpa da tragédia às fortes chuvas. “Estão ligados às relações violentas e até criminosas que decorrem da estrutura fundiária do nosso país” afirma a geógrafa e acrescenta que o litoral norte de São Paulo é um exemplo nítido dessa situação, onde há bairros de veraneio nos melhores terrenos, em que muitas casas ficam desocupadas a maior parte do ano, enquanto trabalhadores e caiçaras se concentram em áreas de risco.

Segundo levantamento da Associação Contas Abertas, o orçamento federal de 2023 para gestão de riscos e desastres é o menor em 14 anos. Além disso, São Sebastião, a cidade do litoral norte de São Paulo mais afetadas pelas chuvas, não recebe desde 2013 verba da Defesa Civil paulista para a prevenção de desastres naturais.

Como ajudar?

Para ajudar vítimas das fortes chuvas no litoral norte de São Paulo é possível fazer doações para algumas instituições. O Fundo Social de São Sebastião recebe doações em sua sede e pelo Pix CNPJ 28.086.952/0001-99. Na mesma cidade o Instituto Verdescola também aceita valores, pelo Pix verdescola@verdescola.org.br. O Fundo Social de Solidariedade de Ubatuba e o Fundo Social de Solidariedade de Guarujá recebem doações em suas sedes.

Para quem mora na capital, outra forma de ajudar é doando alimentos não perecíveis, água mineral e roupas para o Fundo Social de São Paulo, localizado na avenida Marechal Mário Guedes, 301, no Jaguaré, zona oeste, entre 8h e 17h.  A instituição também aceita doações em dinheiro, pelo Pix CNPJ 44.111.698-0001/98, destinado às cestas básicas, ou no Pix CNPJ 44.111.698-0001/98, destinado a cobertores.